04º Domingo da Quaresma – Ano C [atualizado]

ANO C
4.º DOMINGO DA QUARESMA

Tema do 4.º Domingo da Quaresma

Na quarta etapa do “caminho da Quaresma”, a liturgia fala-nos de vida nova. Diz-nos como chegar lá. Convida-nos a experimentá-la.

A primeira leitura mostra-nos o Povo de Deus a começar uma nova vida na terra de Canaã. Para trás ficaram a escravidão do Egito e a desolação do deserto. Agora, na Terra Prometida, Israel pode começar a viver de uma forma nova, construindo um futuro de liberdade e de felicidade. É essa experiência – de passagem da escravidão à liberdade, da vida velha à vida nova – que somos convidados a fazer neste tempo de Quaresma.

No Evangelho, através da parábola do “pai misericordioso”, Jesus garante-nos que Deus nunca nos fechará as portas: estará sempre à nossa espera de braços abertos, pronto para nos acolher e para nos reintegrar na sua família. “Voltar para Deus” é a opção certa para quem quiser dar sentido pleno à sua existência.

Na segunda leitura Paulo de Tarso, recorrendo ao conceito de “reconciliação”, lembra-nos que Cristo veio derrotar o egoísmo e o pecado e sanar a separação que havia entre Deus e os homens. Aqueles que aceitam ligar-se a Cristo e caminhar atrás d’Ele, estão reconciliados com Deus. Vivem uma vida nova, a vida dos filhos queridos e amados de Deus.

 

LEITURA I – Josué 5,9a.10-12

Naqueles dias,
disse o Senhor a Josué:
«Hoje tirei de vós o opróbrio do Egipto».
Os filhos de Israel acamparam em Gálgala
e celebraram a Páscoa,
no dia catorze do mês, à tarde,
na planície de Jericó.
No dia seguinte à Páscoa,
comeram dos frutos da terra:
pães ázimos e espigas assadas nesse mesmo dia.
Quando começaram a comer dos frutos da terra,
no dia seguinte à Páscoa,
cessou o maná.
Os filhos de Israel não voltaram a ter o maná,
mas, naquele ano,
já se alimentaram dos frutos da terra de Canaã.

 

CONTEXTO

O Livro de Josué é uma reflexão sobre a história do Povo de Deus no período que vai desde a sua entrada em Canaã até à morte de Josué (talvez por meados do séc. XII a.C.). Descreve sobretudo a conquista da Terra Prometida (cf. Js 1,1-12,24) e a distribuição do território pelas tribos (cf. Js 13,1-21,45). Um apêndice final, redigido provavelmente durante o Exílio na Babilónia, refere a despedida e a morte de Josué, bem como a notícia de uma reunião geral de tribos em Siquém, antes da morte de Josué (cf. Js 22,1-24,33).

Em geral, a preocupação dos autores da “escola deuteronomista” que compuseram este livro é mais de caráter teológico do que histórico. Por exemplo, a conquista da Terra é apresentada como uma campanha fulgurante e fácil em que as doze tribos a uma só voz, sob a liderança de Josué, se apoderaram facilmente de toda a Terra. Mas, historicamente as coisas não aconteceram dessa forma… O livro dos Juízes, muito mais realista, fala de uma conquista lenta, difícil (cf. Jz 1) e incompleta (cf. Jz 13,1-6; 17,12-16), que não foi obra de um povo unido à volta de um chefe único, mas de tribos que fizeram a guerra isoladamente. Mais do que descrever factos históricos, os autores do livro estão interessados em afirmar o poder de Javé, posto ao serviço do seu Povo. Foi Deus – e não a capacidade militar das tribos – que, com os seus prodígios, ofereceu a Israel a Terra Prometida; Israel, por sua vez, deve responder a esse dom mantendo-se fiel à Aliança e aos mandamentos.

O texto que a liturgia deste quarto domingo da Quaresma nos propõe como primeira leitura pertence à primeira parte do livro. Situa-nos em Guilgal, um lugar que ainda não foi localizado, mas que devia situar-se não longe do rio Jordão, a nordeste da cidade de Jericó. Os israelitas, vindos do deserto, tinham acabado de atravessar o rio Jordão e detiveram-se nesse lugar. Aproximava-se a celebração da primeira Páscoa na Terra Prometida e só os circuncidados podiam celebrá-la e participar da refeição pascal (cf. Ex 12,44.48); por isso, Josué ordenou que passassem pelo rito da circuncisão todos os membros do povo que ainda não tinham sido circuncidados (cf. Js 5,1-8). O nosso texto refere o que aconteceu, logo depois da conclusão do rito, em Guilgal.

 

MENSAGEM

Depois de cumprido o ritual da circuncisão, o povo celebrou a Páscoa, “no dia catorze do mês” de Nisan, em Guilgal (vers. 10). O autor desta breve “notícia” acrescenta que, nesse dia, o povo comeu os primeiros frutos da nova terra: “pães ázimos e espigas assadas” (vers. 11). O maná, o alimento que Deus tinha dado ao seu povo durante a etapa do deserto, deixou de aparecer. Doravante, os filhos de Israel alimentar-se-ão dos frutos da terra de Canaã (vers. 12).

Para os hebreus que, sob as ordens de Josué, atravessaram o rio Jordão, a entrada na Terra Prometida é o final feliz de uma longa viagem da escravidão para a liberdade. Lá para trás ficou o Egipto, a terra da exploração e do sofrimento onde o povo de Deus vivia sem horizontes e sem esperança. Para trás ficou também o deserto, terra de privação e de desolação, onde só o cuidado de Deus deu ao povo forças para sobreviver.

Agora começa uma nova etapa. O gesto de Josué de ordenar a circuncisão de todos aqueles “que nasceram no deserto, durante a viagem, depois do êxodo” (Js 5,5), põe um ponto final no “opróbrio do Egito” (vers. 9), na era velha marcada pelo sofrimento e pela mentalidade de servidão de que o povo, nem mesmo depois de atravessar o mar Vermelho, se conseguiu libertar. Mas agora aquela gente que entrou na Terra Prometida é uma outra geração, colocada cara a cara com uma nova realidade: é um povo renovado, com um olhar livre sobre o seu futuro e sobre as suas possibilidades. A circuncisão, sinal da Aliança de Deus com Abraão e da pertença ao povo eleito (cf. Gn 17,10-11), é a reafirmação do compromisso do povo com o Deus que os conduziu a essa vida nova. A Páscoa, celebrada pela primeira vez na nova terra, é ponto de partida para o caminho novo que agora começa e ao longo do qual o povo continua a requer a presença e a assistência de Deus, a fim de descobrir o caminho a percorrer. O fim da “era do maná” e o aparecimento de outros alimentos, frutos da terra nova onde o povo se encontra, assinala uma outra forma de vida, um novo tempo, uma nova história, uma nova esperança.

Talvez o nosso texto não apresente a intensidade dramática e a profundidade teológica de outros textos fundamentais na vida do povo de Deus… É, no entanto, um texto absolutamente apropriado para este quarto domingo da Quaresma, em que batizados e catecúmenos são convidados a continuar o seu percurso quaresmal em direção à vida nova. O batismo, de que uns fazem memória (os que já foram batizados) e que outros têm no horizonte próximo (os catecúmenos), assinala para todos essa vida nova que o povo libertado por Deus da escravidão do Egito encontrou e celebrou nas planícies de Jericó, junto de Guilgal.

 

INTERPELAÇÕES

  • Somos convidados, neste tempo de Quaresma, a uma experiência semelhante à que fez o Povo de Deus que acampou em Guilgal, depois de ter passado o rio Jordão: é tempo de deixarmos para trás a fase da escravidão e de começarmos a pensar e a agir em termos novos, fixando o nosso olhar em horizontes mais amplos, que deem à nossa vida uma dimensão de eternidade; é tempo de nos libertarmos da mentalidade de escravos, de visões estreitas e egoístas, de valores que nada valem, de apostas que não levam a nenhum lado, e de passarmos a viver como pessoas livres, que caminham decididamente ao encontro de uma vida com sentido; é tempo de acordarmos da letargia e da estagnação em que vivemos, a fim assumirmos um papel ativo na construção do projeto que Deus tem para o mundo e para os homens. Estamos dispostos, neste tempo de Quaresma, a operar essa mudança?
  • A circuncisão era, para os israelitas, um sinal físico de pertença ao povo eleito de Deus, ao povo comprometido numa Aliança com Deus. Os profetas, contudo, disseram repetidamente que a circuncisão, enquanto rito externo, nada significava, pois não garantia o envolvimento e o compromisso do povo com Deus. Em seu lugar, os profetas de Israel pediram aquilo a que chamaram a “circuncisão do coração” (Dt 10,16; Jr 4,4; cf. Jr 9,25): uma purificação do coração, uma transformação interior, uma renovação da mente, uma “conversão” que leve o ser humano a aproximar-se novamente de Deus, a escutar outra vez Deus, a obedecer a Deus, a caminhar com Deus, a viver segundo Deus. O que é que, na nossa forma de viver, de pensar e de atuar precisamos de “cortar” ou de transformar para renovar a nossa vida e a nossa relação com Deus? O que é que ainda nos impede de celebrar um verdadeiro e efetivo compromisso com Deus?
  • O batismo marcou, para nós, o momento em que nos comprometemos com Deus e passamos a fazer parte da família de Deus. Nesse dia, dissemos não à escravidão do egoísmo e do pecado e comprometemo-nos a viver a vida nova de Deus. Fomos ungidos com o óleo dos catecúmenos e recebemos a força de Deus para dizer “não” ao mal; fomos também ungidos com o óleo do crisma, que nos constituiu sacerdotes, profetas e reis, à imagem de Jesus, membros do povo da nova Aliança; fomos envolvidos numa veste branca e foi-nos pedido que nos mantivéssemos assim, vestidos de Deus, ao longo de todo o nosso caminho; recebemos a luz de Cristo e fomos convidados a nunca deixar apagar essa luz nas nossas vidas… Temos vivido na fidelidade a essa vida nova? A Quaresma não será um tempo favorável para renovarmos o nosso compromisso batismal e para regressarmos a essa fonte de vida nova onde mergulhamos no dia em que fomos batizados?

 

SALMO RESPONSORIAL – Salmo 33 (34)

Refrão: Saboreai e vede como o Senhor é bom.

A toda a hora bendirei o Senhor,
o seu louvor estará sempre na minha boca.
A minha alma gloria-se no Senhor:
escutem e alegrem-se os humildes.

Enaltecei comigo ao Senhor
e exaltemos juntos o seu nome.
Procurei o Senhor e Ele atendeu-me,
libertou-me de toda a ansiedade.

Voltai-vos para Ele e ficareis radiantes,
o vosso rosto não se cobrirá de vergonha.
Este pobre clamou e o Senhor o ouviu,
salvou-o de todas as angústias.

 

LEITURA II – 2 Coríntios 5,17-21

Irmãos:
Se alguém está em Cristo, é uma nova criatura.
As coisas antigas passaram; tudo foi renovado.
Tudo isto vem de Deus,
que por Cristo nos reconciliou consigo
e nos confiou o ministério da reconciliação.
Na verdade, é Deus que em Cristo reconcilia o mundo consigo,
não levando em conta as faltas dos homens
e confiando-nos a palavra da reconciliação.
Nós somos, portanto, embaixadores de Cristo;
é Deus quem vos exorta por nosso intermédio.
Nós vos pedimos em nome de Cristo:
reconciliai-vos com Deus.
A Cristo, que não conhecera o pecado,
Deus identificou-O com o pecado por causa de nós,
para que em Cristo nos tornemos justiça de Deus.

 

CONTEXTO

A Primeira Carta aos Coríntios (que criticava alguns membros da comunidade por atitudes pouco condizentes com os valores cristãos) provocou uma reação extremada de alguns cristãos de Corinto. Aproveitando a ocasião, alguns adversários de Paulo (pelo contexto, não se percebe exatamente se são esses “judaizantes” que queriam impor aos pagãos convertidos as práticas da Lei, ou se são cristãos que aceitam o laxismo da vida dos coríntios e que criticam a severidade de Paulo) organizaram uma campanha no sentido de o desacreditar. Acusaram-no de anunciar o Evangelho por interesses pessoais e ainda de apresentar uma mensagem que não estava em consonância com a doutrina dos outros apóstolos. Paulo, informado de tudo, dirigiu-se apressadamente para Corinto e teve um violento confronto com os seus detratores. O choque deve ter deixado marcas na comunidade. Depois, Paulo dirigiu-se para Éfeso.

Algum tempo depois, Tito, amigo de Paulo, fino negociador e hábil diplomata, partiu para Corinto, a fim de acalmar os ânimos dos coríntios e tentar a reconciliação. Paulo, entretanto, deixou Éfeso e foi para Tróade. Foi aí que reencontrou Tito, regressado de Corinto. As notícias trazidas por Tito eram animadoras: o diferendo fora ultrapassado e os coríntios estavam, outra vez, em comunhão com Paulo.

Reconfortado, Paulo escreveu uma “carta de reconciliação” na qual fazia uma tranquila apologia do seu apostolado (cf. 2 Cor 1,3-7,16) e desmontava os argumentos dos adversários (cf. 2 Cor 10,1-13,10). Juntou também, no mesmo escrito, algumas instruções acerca de uma coleta em favor dos pobres da Igreja de Jerusalém (cf. 2 Cor 8,1-9,15). Apareceu, assim, a nossa segunda carta de Paulo aos Coríntios. Estamos nos anos 56/57.

O texto que nos é proposto integra a primeira parte da carta (cf. 2 Cor 1,3-7,16). Aí, Paulo procura desfazer alguns mal-entendidos com os coríntios, dá notícias e, sobretudo, explica quais os princípios que sempre nortearam a sua ação apostólica. O que o move é o amor a Cristo. Tudo o que ele tem feito junto dos coríntios é para os ajudar a acolher Cristo nas suas vidas.

 

MENSAGEM

Os detratores de Paulo (pregadores procedentes das comunidades cristãs palestinenses, a certa altura chegados a Corinto) consideram que este não tem autoridade para anunciar o Evangelho, pois nem sequer conviveu com Jesus enquanto Ele andou pela Galileia e pela Judeia a anunciar o Reino de Deus. No entanto, Paulo encontrou-se com Cristo ressuscitado na estrada de Damasco e, a partir desse encontro, deu toda a sua vida a Cristo. O amor de Cristo absorve-o completamente. Paulo quer anunciar a toda a gente que “Cristo morreu por todos, a fim de que, os que vivem, não vivam mais para si mesmos, mas para aquele que por eles morreu e ressuscitou” (2Cor 5,15). Ele vive para Cristo e para dar testemunho de Cristo.

Paulo diz isso claramente aos seus filhos de Corinto. Tudo o que ele tem feito – e que tem sido desvalorizado por aqueles que o atacam – tem por objetivo ajudar os coríntios a encontrarem-se com Cristo. Ele sabe que “se alguém está em Cristo, é uma nova criatura” (vers. 17a); e quer muito que os coríntios estejam em Cristo e possam tornar-se Homens novos.

Paulo explica aos coríntios que, por detrás de tudo isto está uma iniciativa de Deus (vers. 18). Deus não se conformava ao ver os seres humanos escolherem, dia após dia, caminhos de egoísmo e de pecado; Deus não se resignava a ver os homens mergulhados numa realidade velha, que não levava a lado nenhum; por isso, enviou-lhes o seu Filho Jesus. Cristo, cumprindo o mandato que recebera do Pai, pela sua ação, pelo seu amor até ao extremo, pela sua entrega na cruz, mudou a situação dos homens. Entregou a própria vida para mostrar aos homens o amor de Deus; e convidou os homens a aproximarem-se novamente de Deus. Eliminando o egoísmo e a autossuficiência que impediam que os homens se aproximassem de Deus, Cristo acabou com a situação de rutura entre os homens e Deus.

Para descrever o que Cristo fez para reaproximar os homens de Deus, Paulo usa a palavra “reconciliação” (cinco vezes repetida nos vers. 18-20). Sim, havia uma situação de rutura entre o homem e Deus; mas, através de Cristo, essa situação foi reparada e superada. O passado de separação entre Deus e o homem existiu, mas já não existe mais. A ação de Cristo fez com que o homem se aproximasse novamente de Deus; e Deus, no seu amor, não quis atirar à cara do homem as escolhas erradas que o homem tinha feito. A vida velha ficou para trás; agora começou, para aqueles que aceitaram ligar-se a Cristo, uma nova realidade, uma vida nova, um tempo novo (vers. 17).

Paulo tornou-se junto dos coríntios, “embaixador de Cristo” e arauto desta “reconciliação”. Foi esse o mandato que recebeu de Deus (vers. 20). Será esse o papel que Paulo procurará desempenhar junto dos seus queridos filhos de Corinto, digam o que disserem aqueles que o acusam de usurpar funções que não são as dele.

 

INTERPELAÇÕES

  • Em tempo de Quaresma, Paulo fornece-nos a chave de leitura para “ler” os mistérios da fé que iremos celebrar dentro de alguns dias, no chamado Tríduo Pascal: com a sua vida, com a sua proposta, com a sua entrega por todos, com o seu amor até ao extremo, Cristo derrotou o pecado e a maldade e ensinou-nos a viver num outro dinamismo, o dinamismo do amor. Não foi iniciativa nossa, mas foi uma iniciativa de Deus. Foi Deus que, sem se deixar impressionar pelos nossos amuos e pela nossa autossuficiência, nos enviou o seu filho Jesus para nos mostrar como nos amava, para nos oferecer a possibilidade de ultrapassar o passado e de viver uma vida nova. Convém que, quando olharmos para a cruz de Jesus tenhamos isto presente, a fim de entendermos o extraordinário dom que Deus nos faz. Conscientes de tudo isto, como é que nos propomos responder à oferta de Deus? Tocados pelo amor de Deus – bem evidente na vida e na entrega de Jesus – queremos ultrapassar o nosso egoísmo e o nosso orgulho para vivermos reconciliados com Deus? O “dia novo” da Páscoa poderá ser, para nós, um “tempo novo”, o tempo em que vivemos “reconciliados” com Deus?
  • Paulo, desde que se encontrou com Cristo e que entendeu o sentido da sua vida, da sua morte e da sua ressurreição, tornou-se “embaixador” de Cristo no mundo, arauto dessa obra de “reconciliação” que Cristo veio realizar. Paulo entendia que há propostas tão belas e tão transformadoras que não podem ficar silenciadas e esquecidas: é preciso que alguém as anuncie e explicite para que essas propostas mudem o mundo e as vidas dos homens. Ora, a proposta que Deus nos fez através de Cristo é uma delas. Tem de ser convenientemente publicitada e testemunhada para que todos possam conhecê-la e, conhecendo-a, nascer para uma nova realidade. Nós que nos encontramos com Cristo e que nos consideramos discípulos de Cristo somos, como Paulo, “embaixadores de Cristo” junto dos nossos irmãos? Anunciamos e testemunhamos aos nossos irmãos e irmãs, com toda a nossa vida, com todas as nossas forças, com todo o nosso entendimento, com todo o nosso coração, a proposta de “reconciliação” que Cristo nos veio oferecer?
  • Paulo fala, neste texto, da “reconciliação” com Deus. Não fala explicitamente da “reconciliação” com os irmãos. Mas, quando escreve as palavras que lemos, ele está angustiado pelo conflito que o distancia dos seus queridos filhos de Corinto. Ora, Paulo sabe que só será possível a reconciliação entre os irmãos desavindos se, antes, esses irmãos descobriram o amor de Deus e aceitaram viver no dinamismo do amor. Quem descobre o amor de Deus e vive reconciliado com Deus, percebe que deve viver reconciliado com os seus irmãos. Nós, os que fomos tocados pelo amor de Deus, procuramos viver reconciliados com todos os nossos irmãos? Testemunhamos o amor de Deus vivendo em paz e harmonia uns com os outros?

 

ACLAMAÇÃO ANTES DO EVANGELHO – Lucas 15,18

Refrão 1: Louvor e glória a Vós, Jesus Cristo Senhor.

Refrão 2: Glória a Vós, Jesus Cristo, Sabedoria do Pai.

Refrão 3: Glória a Vós, Jesus Cristo, Palavra do Pai.

Refrão 4: Glória a Vós, Senhor, Filho do Deus vivo.

Refrão 4: Louvor a Vós, Jesus Cristo, rei da eterna glória.

Refrão 6: Grandes e admiráveis são as vossas obras, Senhor.

Refrão 7: A salvação, a glória e o poder a Jesus Cristo, Nosso Senhor.

 

Vou partir, vou ter com meu pai e dizer-lhe:
Pai, pequei contra o Céu e contra ti.

 

EVANGELHO – Lucas 15,1-3.11-32

Naquele tempo,
os publicanos e os pecadores
aproximavam-se todos de Jesus, para O ouvirem.
Mas os fariseus e os escribas murmuravam entre si, dizendo:
«Este homem acolhe os pecadores e come com eles».
Jesus disse-lhes então a seguinte parábola:
«Um homem tinha dois filhos.
O mais novo disse ao pai:
‘Pai, dá-me a parte da herança que me toca’.
O pai repartiu os bens pelos filhos.
Alguns dias depois, o filho mais novo,
juntando todos os seus haveres, partiu para um país distante
e por lá esbanjou quanto possuía,
numa vida dissoluta.
Tendo gasto tudo,
houve uma grande fome naquela região
e ele começou a passar privações.
Entrou então ao serviço de um dos habitantes daquela terra,
que o mandou para os seus campos guardar porcos.
Bem desejava ele matar a fome
com as alfarrobas que os porcos comiam,
mas ninguém lhas dava.
Então, caindo em si, disse:
‘Quantos trabalhadores de meu pai têm pão em abundância,
e eu aqui a morrer de fome!
Vou-me embora, vou ter com meu pai e dizer-lhe:
Pai, pequei contra o Céu e contra ti.
Já não mereço ser chamado teu filho,
mas trata-me como um dos teus trabalhadores’.
Pôs-se a caminho e foi ter com o pai.
Ainda ele estava longe, quando o pai o viu:
encheu-se de compaixão
e correu a lançar-se-lhe ao pescoço, cobrindo-o de beijos.
Disse-lhe o filho:
‘Pai, pequei contra o Céu e contra ti.
Já não mereço ser chamado teu filho’.
Mas o pai disse aos servos:
‘Trazei depressa a melhor túnica e vesti-lha.
Ponde-lhe um anel no dedo e sandálias nos pés.
Trazei o vitelo gordo e matai-o.
Comamos e festejemos,
porque este meu filho estava morto e voltou à vida,
estava perdido e foi reencontrado’.
E começou a festa.
Ora o filho mais velho estava no campo.
Quando regressou,
ao aproximar-se da casa, ouviu a música e as danças.
Chamou um dos servos e perguntou-lhe o que era aquilo.
O servo respondeu-lhe:
‘O teu irmão voltou
e teu pai mandou matar o vitelo gordo,
porque ele chegou são e salvo’.
Ele ficou ressentido e não queria entrar.
Então o pai veio cá fora instar com ele.
Mas ele respondeu ao pai:
‘Há tantos anos que eu te sirvo,
sem nunca transgredir uma ordem tua,
e nunca me deste um cabrito
para fazer uma festa com os meus amigos.
E agora, quando chegou esse teu filho,
que consumiu os teus bens com mulheres de má vida,
mataste-lhe o vitelo gordo’.
Disse-lhe o pai:
‘Filho, tu estás sempre comigo
e tudo o que é meu é teu.
Mas tínhamos de fazer uma festa e alegrar-nos,
porque este teu irmão estava morto e voltou à vida,
estava perdido e foi reencontrado’».

 

CONTEXTO

Jesus, rodeado pelos seus discípulos, caminha em direção a Jerusalém. Mais do que um caminho físico, trata-se de um caminho espiritual: as “lições” que Jesus, a cada passo, vai dando aos discípulos, preparam-nos para acolher e para, mais tarde, testemunhar o Reino de Deus.

Uma dessas “lições” refere-se à forma como Deus vê aqueles homens e mulheres que a sociedade marginaliza e condena. As chamadas “parábolas da misericórdia de Deus”, contadas por Jesus, dão conta da preocupação de Deus pelos seus filhos “perdidos” (cf. Lc 15,1-32). No cenário montado por Lucas, essas parábolas são a resposta de Jesus ao comentário escandalizado dos escribas e fariseus: “este homem acolhe os pecadores e come com eles” (Lc 15,2-3).

De facto, o acolhimento que Jesus dispensava às pessoas pouco recomendáveis era muito comentado pelos líderes religiosos judaicos. Nesse grupo de gente pouco recomendável estavam aqueles que Lucas chama “os pecadores” e “os publicanos” (Lc 15,1). O grupo dos “pecadores” incluía todos aqueles que desobedeciam escandalosamente à Lei e levavam vidas desregradas: os usurários, os vigaristas, os delinquentes, as prostitutas. Os “publicanos” eram os cobradores de impostos, que colaboravam com os romanos na opressão do povo e tinham fama de roubar os pobres cobrando mais do que estava estipulado. As autoridades religiosas judaicas viam-nos como “malditos” e colocavam-nos à margem da salvação. Nenhuma “pessoa de bem” gostava de estar associada a esta gente. Mas Jesus tinha grandes amigos entre esses marginais e não tinha qualquer problema em sentar-se com eles à mesa. Não excluía ninguém e achava que todos eram bem-vindos à comunidade do Reino de Deus. Essa benevolência de Jesus para com aqueles que a moral, os bons costumes e a Lei condenavam, era algo de inaudito, de escandaloso, de vergonhoso, de incompreensível.

A parábola que o Evangelho deste quarto domingo da Quaresma nos traz (Lc 15,11-32), é uma das mais conhecidas de Jesus. A tradução latina (a “Vulgata”), notando o espaço que o filho mais novo – um jovem que dissipa os bens da família numa vida dissoluta – tem nela, chama-lhe a “parábola do filho pródigo”; mas a maioria dos exegetas mais recentes, considerando que o papel do “pai” na parábola é central, chamam-lhe a “parábola do pai misericordioso. A parábola é exclusiva de Lucas: não aparece em mais nenhum dos evangelhos.

 

MENSAGEM

A parábola do pai misericordioso conta uma história de família que tem os ingredientes habituais das histórias de família: discussões entre pais e filhos, esforços dos filhos para se libertarem da tutela dos pais, conflitos por causa de heranças, tensões que fazem perigar a unidade familiar, ciúmes e ressentimentos entre os membros da família… Com tudo isso Jesus compôs uma das suas mais belas parábolas.

A família em causa consta de três pessoas: um pai, um filho mais velho e um filho mais novo (vers. 1). O filho mais novo é um rapaz que só pensa em ser livre, em “gozar a vida”, em afastar-se daquela vida certinha e regrada que tinha em casa do pai. Para isso, precisa de dinheiro. Decide, então, pedir ao pai que lhe dê a parte da herança que lhe cabe. É um pedido pouco comum, considerando as leis e práticas da época… Que sentido é que faz um filho pedir para receber uma parte da herança familiar quando o pai ainda está vivo? Não deve ter sido fácil, para esse pai, lidar com o pedido do seu filho mais novo. A pretensão do jovem irá privar a família de parte dos seus recursos económicos; significará, além disso, a rutura da solidariedade e da unidade familiar… Aquele jovem iludido não irá destruir a sua vida e o seu futuro? No entanto, o pai procede à divisão dos bens, entregando ao seu filho mais novo um terço dos bens familiares (o filho mais velho, na sua qualidade de primogénito, teria direito ao resto dos bens paternos). Apesar da angústia que lhe aperta o coração, o pai respeita a liberdade do filho e deixa-o seguir o caminho que ele elegeu.

Conseguidos os bens, o jovem afasta-se da casa familiar e vai para longe. O texto, sem entrar em pormenores, diz que o jovem levou uma vida reprovável e não demorou a delapidar todos os bens que levava. Os caminhos que escolheu e a vida sem regras com que ele sonhou levam-no a um beco sem saída. Para sobreviver, põe-se ao serviço de um estrangeiro e torna-se guardador de porcos, animais considerados impuros. A sua degradação não poderia ser maior. Sem liberdade nem dignidade, leva uma vida infra-humana, no meio dos porcos. Nem sequer pode alimentar-se com o alimento que os porcos comiam. Para a mentalidade judaica, não se podia descer mais baixo.

Neste ponto, a narração detém-se a analisar os sentimentos e as emoções daquele jovem… Desfeitas as ilusões, ele está consciente de que fez uma má opção quando deixou a casa do pai. Agora ele está bem pior do que os jornaleiros que trabalham para o pai porque estes, pelo menos, têm o necessário para viver. Disposto a engolir o seu orgulho, coloca a possibilidade de voltar ao encontro do pai e a pedir-lhe que o aceite, já não como filho, mas sim como simples jornaleiro. Não sabe como o pai vai reagir; mas não tem nada a perder. Resolve voltar.

Todos aqueles que escutavam a história contada por Jesus estavam, neste ponto, à espera de um reencontro difícil, com um pai magoado e revoltado. O pai fechar-lhe-ia a porta? Admiti-lo-ia “à experiência”, para ver se ele tinha aprendido a lição e estava mesmo mudado? Em qualquer caso, uma coisa parecia clara: aquele rapaz jamais poderia voltar a ocupar, na família, o lugar que tinha antes. Aquele filho tinha escolhido, por iniciativa própria, deixar de ser filho.

O jovem estava ainda longe quando o pai o “viu”. Não se trata de uma indicação “inocente”: o narrador quer dizer, provavelmente, que o pai vivia a olhar para esse caminho por onde o filho tinha partido, à espera de vê-lo regressar. Para quê? Para lhe fechar a porta? Para lhe fazer um discurso sobre opções estúpidas? Não. Aquele pai, ao ver o filho ao longe, sentiu revolver-se o seu coração. A palavra usada no relato – o verbo grego “splagknídzomai”, traduzido habitualmente como “compadecer-se”, indica a comoção interior que sentimos quando vemos alguém a quem amamos muito. Aliás, o substantivo que resulta desta palavra (splágknon) significa “seio materno”, a barriga da mãe. O verbo serve, então, para expressar o amor de uma mãe pelo filho que trouxe na barriga. O pai da nossa parábola, ao ver o filho que regressa, sente uma “comoção interior” – nós diríamos, na nossa linguagem, “sente revolver-se-lhe o coração”, como uma mãe ao abraçar o filho que ama ternamente. É um estremecimento que resulta do amor. Neste quadro não há lugar para censuras, para amuos, para zangas, para palavras amargas; quando se ama desta maneira, tudo o resto desaparece.

O que se segue, é apenas a expressão e a consequência desse amor. O pai abraça aquele filho reencontrado e “cobre-o de beijos”. A sua forma de agir, mais do que um comportamento de pai, é um comportamento de mãe. Não há, neste homem, qualquer prevenção contra o filho ingrato: no seu coração apenas há amor. E, quando o filho tenta explicar-se, o pai nem o deixa falar: quem ama desta maneira, não precisa de explicações, nem de pedidos de desculpa.

A cena completa-se com o pai a restabelecer o filho na sua dignidade de membro da família: vestiu-o com a melhor roupa que havia em casa (a melhor roupa da casa era provavelmente a roupa do próprio pai); pôs-lhe no dedo um anel – o anel com o selo familiar que restituía ao jovem o título de filho; fê-lo calçar as sandálias, para que o jovem caminhe como um homem livre e não como um escravo. Dessa forma, o filho retoma o seu lugar como membro de pleno direito dessa família que ele tinha renegado ao abandoná-la. A festa que se seguiu – matou-se e comeu-se o vitelo gordo, que se guardava para as grandes ocasiões – é a expressão da imensa alegria que inunda o coração daquele pai por ter de novo ao seu lado o filho reencontrado.

Falta, para terminar a parábola, descrever a reação do irmão mais velho, o que tinha permanecido sempre ao lado do pai. Ele tinha ficado revoltado com a partida do irmão e com a sua traição à família. E, ao contrário do pai, não voltara a olhar para o caminho por onde o irmão tinha desaparecido, à espera de vê-lo voltar a casa. Para ele, o irmão mais novo tinha feito a sua escolha e tinha deixado de pertencer à família. Deixara de contar. Era como se tivesse morrido.

Quando, voltando do trabalho, percebe que há festa em casa e que a razão da festa é o regresso daquele irmão que tinha deixado pela lama o bom nome da família, o mais velho amua e recusa-se a entrar em casa. Sente-se revoltado por aquilo que considera uma injustiça gritante. Parece-lhe que a leviandade é mais bem paga do que a vida honrada e correta que ele sempre levou. Não concorda com a “fraqueza” do pai e não quer, com a sua presença, caucionar a irresponsabilidade do irmão. O filho mais velho é um jovem “certinho” e bem-comportado; mas no seu coração não há amor, nem pelo irmão, nem pelo pai. Funciona segundo critérios rígidos de justiça, de obrigações severas, de retribuição lógica, não segundo critérios de amor. Ele cumpre as regras; mas não ama.

O pai – aquele pai em cujo coração há um amor sem medida pelos filhos – não compreende a revolta do filho mais velho para com o irmão. Mas vem falar com ele e, com todo o carinho (chama-lhe “teknon”, “meu querido filho”, ou, literalmente, “meu pequeno”, uma expressão afetuosa), procura explicar-lhe a forma como vê as coisas: “compreende que eu não podia receber o teu irmão de outra forma, pois ele continua a ser meu filho, um filho muito amado e que eu me recuso a perder; compreende que estou muito feliz por ele ter voltado a esta casa onde ele terá sempre lugar; compreende que eu amo muito os meus filhos e que, aconteça o que acontecer, eles terão sempre lugar na minha casa; compreende que o que eu mais desejo como pai é ver todos os meus filhos sentados à mesa familiar, partilhando fraternalmente a alegria e a felicidade, numa festa sem fim”. Não se diz se o filho mais velho aceitou e compreendeu os sentimentos do pai. Talvez o narrador tenha deixado o final em aberto para que sejamos nós a dar a nossa própria resposta àquele pai que amava demasiado.

Aquele pai cheio de amor é Deus; os filhos somos nós. A parábola do pai misericordioso é um extraordinário poema ao amor de Deus pelos seus filhos – por nós.

 

INTERPELAÇÕES

  • Para nós, homens e mulheres do séc. XXI, quem é Deus? Como o vemos e entendemos? Deus interessa-nos? Tem lugar na nossa vida? Faz-nos alguma falta? A parábola do pai misericordioso, contada por Jesus, é para todos aqueles que se questionam sobre Deus e sobre o papel de Deus nas suas vidas. Jesus falava de Deus como um pai, um pai que ama os seus filhos para além de toda a medida, de toda a compreensão e de toda a lógica; um pai que respeita as decisões dos seus filhos, mesmo quando eles tomam decisões absolutamente disparatadas; um pai que não tem medo de passar vergonhas e de perder a sua “dignidade” de chefe da família por causa do seu amor; um pai que, quando avista os seus filhos humilhados e magoados, corre ao encontro deles e abraça-os com uma ternura sem fim; um pai que não critica, nem acusa, nem castiga, nem exige explicações, porque está apenas focado em amar; um pai cujo amor regenera e proporciona a cada passo aos filhos uma vida nova e livre; um pai cujo desejo mais profundo é sentar-se com todos os seus queridos filhos, sem exceção, à volta da mesa familiar, numa festa sem fim. Nas nossas vidas, cheias de futilidade, de angústia, de solidão, de medos, de amores efémeros, de apostas falhadas, não fará falta um Deus que seja capaz de nos olhar com um olhar de pai e de mãe, com um olhar de amor?
  • O “filho mais novo” da parábola, na sua ânsia de “aproveitar a vida”, vai resvalando progressivamente por um caminho sem saída. As suas opções vão-se reduzindo a cada passo. A dada altura, só lhe resta voltar para trás, regressar ao encontro do pai. Em linguagem cristã, esse “voltar para trás ao encontro do pai”, chama-se “conversão”. Implica uma mudança de perspetiva, de mentalidade, de valores, de atitudes; implica inverter o rumo da própria vida, renunciar ao egoísmo, ao orgulho e à autossuficiência e voltar a confiar em Deus. O tempo da Quaresma é um tempo favorável para a “conversão”, para inverter o rumo da vida e voltar para Deus. Na parábola do pai misericordioso, Jesus garante-nos que Deus nunca nos fechará as portas: estará sempre à nossa espera de braços abertos, pronto para nos acolher e para nos reintegrar na sua família. O perdão, consequência do amor, é uma das mais belas manifestações do ser de Deus. Renova-nos, regenera-nos, devolve-nos a esperança, oferece-nos um novo começo, traz-nos a paz, abre-nos as portas da esperança. Aceitamos, neste tempo de Quaresma, fazer a experiência pacificadora de nos sentirmos perdoados, acolhidos e abraçados pelo Pai?
  • O “filho mais velho” da parábola nunca abandonou a casa do pai. A sua vida decorre sem sobressaltos, a trabalhar nos terrenos da família; cumpre as suas obrigações, obedece ao pai e nunca deu ao pai razões de queixa. Intui-se, no entanto, que a relação que ele tem com o pai está mais marcada pelo sentido do dever do que pelo afeto. Ele parece mais um servo cumpridor, do que um filho. Tem um sentido de “justiça” bastante rígido. Acha que quem é cumpridor deve ser recompensado e quem não cumpre as suas obrigações deve ser castigado e deixado para trás. O coração deste filho é seco e árido. Não conhece a misericórdia, a bondade, o amor, o perdão. Por isso, não compreende a “fraqueza” do pai em relação ao irmão que falhou; e nunca aceitará ou perdoará as escolhas erradas que o irmão fez. Conhecemos alguém assim? Como é que olhamos para aqueles que abandonaram a comunidade cristã? Como é que falamos daqueles que se consideram ateus ou daqueles que buscam Deus em caminhos diferentes dos nossos? Como é que vemos e tratamos aqueles que as leis canónicas consideram em situação irregular? O que vale, na forma como abordamos e tratamos os nossos irmãos, é o que está prescrito nas leis, ou consagrado num qualquer catálogo de “bons costumes”, ou é o amor, a bondade, a misericórdia, a compaixão?
  • As razões que levam alguém a cortar os laços que o unem à família são as mais diversas. Algumas têm a ver com as contingências da vida e com o curso normal da vida; mas outras vezes o “corte” resulta de situações cuja responsabilidade pertence a um ou outro membro da família. Isso também acontece nas nossas comunidades cristãs. Os irmãos que se afastam da nossa comunidade cristã fazem-no sempre por comodismo pessoal ou por decisões egoístas, ou fazem-no por vezes porque os “irmãos mais velhos” não souberam acolhê-los e não se preocuparam em criar um clima fraterno? A nossa forma de viver a religião – tantas vezes formal, vazia, legalista – não será responsável pelo abandono de tantos homens e mulheres que não encontram entre nós uma proposta convincente de vida? As nossas liturgias solenes e majestosas, cheias ritualismo, de pompa e circunstância, não desiludirão muitos irmãos que não conseguem encontrar Deus em todo esse aparato? As nossas divisões, conflitos, intrigas, invejas, não serão um contratestemunho para tantos homens e mulheres que veem a forma como vivemos?
  • A parábola do pai misericordioso deixa no ar algumas questões: se Deus é assim, se Deus está sempre de braços abertos para acolher os filhos que fizeram escolhas erradas, vale a pena ser bom? Não será mais lógico “gozar a vida” o mais possível, sem problemas de consciência, uma vez que Deus tudo perdoa? Na verdade, a parábola é clara: a opção pela futilidade e pelos valores efémeros não é uma boa opção. O filho mais novo da parábola constatou isso mesmo: as suas escolhas erradas levaram-no para um beco sem saída e deixaram-lhe feridas quase fatais. Foi por ter percebido que aquele tempo longe do pai tinha sido um tempo perdido, que ele voltou para casa. Podemos, nós também escolher a autossuficiência e afastar-nos de Deus… Será uma boa opção? Isso não será perder tempo? Podemos dar-nos ao luxo de desperdiçar a nossa breve vida em caminhos que não nos levam a lado nenhum?

 

ALGUMAS SUGESTÕES PRÁTICAS PARA O 4.º DOMINGO DA QUARESMA

(adaptadas, em parte, de “Signes d’aujourd’hui”)

1. A PALAVRA MEDITADA AO LONGO DA SEMANA.

Ao longo dos dias da semana anterior ao 4.º Domingo da Quaresma, procurar meditar a Palavra de Deus deste domingo. Meditá-la pessoalmente, uma leitura em cada dia, por exemplo… Escolher um dia da semana para a meditação comunitária da Palavra: num grupo da paróquia, num grupo de padres, num grupo de movimentos eclesiais, numa comunidade religiosa… Aproveitar, sobretudo, a semana para viver em pleno a Palavra de Deus.

2. UMA LADAINHA PENITENCIAL.

Estamos a caminhar para o fim da Quaresma. Pode ser sugestivo, no momento penitencial, evocar as leituras da Quaresma deste ano C em forma de ladainha. Como exemplo:

– Jesus, atormentado pela tentação…

– Jesus, transfigurado sobre a montanha…

– Jesus, testemunha do Deus de paciência…

– Jesus, testemunha do Deus de misericórdia…

– Jesus, testemunha do Deus do perdão…

 

3. ORAÇÃO NA LECTIO DIVINA.

Na meditação da Palavra de Deus (lectio divina), pode-se prolongar o acolhimento das leituras com a oração.

 

No final da primeira leitura:

Deus fiel, nós Te damos graças pela terra prometida na qual nos acolheste desde o nosso batismo; é o teu Povo, o Corpo eclesial de teu Filho, que Tu alimentas com o sopro do teu Espírito Santo.

Nesta Quaresma, tempo de partilha, nós Te confiamos as nossas ações em favor do desenvolvimento e de uma mais justa repartição dos bens da terra. Que o teu Espírito nos guie e nos inspire.

 

No final da segunda leitura:

Pai misericordioso e paciente, nós Te damos graças pela reconciliação que nos concedeste por Cristo e pela missão de perdão e de reconciliação que nos confias.

Nós Te pedimos: pelo teu Espírito Santo, ilumina os nossos pensamentos, muda os nossos corações, inspira-nos as iniciativas de perdão e de paz que se impõem para o bem das nossas famílias e dos que estão ao nosso lado.

 

No final do Evangelho:

Pai misericordioso, nós Te damos graças pela grande festa dos reencontros de cada domingo. Preparas-nos a mesa para nos acolher, remindo os nossos pecados e enchendo-nos com o teu Espírito.

Com o filho perdido e reencontrado nós Te pedimos: Pai, pecámos contra ti, cura os nossos espíritos e os nossos corações, dá-nos o teu Espírito Santo.

4. BILHETE DE EVANGELHO.

Tal é a questão dos fariseus e dos escribas. Tal foi a questão do filho mais velho da parábola, ao descobrir a festa organizada para o regresso de seu irmão. Com efeito, Jesus aproximava-Se dos publicanos e dos pecadores, chegando mesmo a fazer-Se convidar por eles, o que O tornava impuro aos olhos daqueles que se julgavam puros. O Pai do pródigo vai atirar-se ao pescoço do filho que julgava perdido e cobre-o de beijos. Porquê? Porque se encheu de compaixão. Assim, este pai também se torna impuro tocando o filho que regressa, depois de uma vida de desordem, de um país estrangeiro onde tinha guardado porcos, tantas situações que o declaravam impuro… Como os fariseus e os escribas, o filho mais velho recusa entrar em casa, julga-se puro. A um como a outro, o pai continua a dizer “meu filho”. A cada um de lhe responder “meu pai”. Este pai tinha feito a partilha dos seus bens, respeitando a liberdade do filho que decide partir… Este mesmo pai suplica ao filho mais velho para se juntar à festa, respeitando a sua liberdade… Um dia, talvez, alegrar-se-á também com o seu regresso…

5. À ESCUTA DA PALAVRA.

Péguy dizia da parábola do filho pródigo: “Aquele que a ouve pela centésima vez, é como se a ouvisse pela primeira vez”. Conhecemo-la de cor… É preciso parar longamente, saboreá-la ainda e sempre. Podemos hoje pensar na seguinte frase: “Bem desejava ele matar a fome com as alfarrobas que os porcos comiam, mas ninguém lhas dava”. Parece que não diz nada de importante. Mas pode ser a frase-chave da parábola. A verdadeira miséria do filho mais novo é de não ter ninguém que esteja atento a ele, que o olhe. Para os seres humanos, o olhar é vital. Quando o olhar não é transparente, acontecem desvios, recusa do amor, os seres humanos torna-se inimigos em vez de serem irmãos e irmãs, acontece desconfiança, inveja, indiferença. O filho mais novo morre da falta de um olhar de amor, sente fome de amor. Jesus quer mudar esta situação, renovando relações em que o amor possa circular de novo. Jesus lança o seu olhar de amor sobre nós, sobre cada um de nós. Um olhar que é fonte de vida! Um olhar do qual não podemos fugir!

6. ORAÇÃO EUCARÍSTICA.

Sugere-se a Oração Eucarística II para a Reconciliação.

7. PALAVRA PARA O CAMINHO…

A segunda parte da parábola deste domingo é uma crítica à conduta do filho mais velho… uma crítica da nossa própria conduta, nós que estamos ao serviço de Deus nem nunca ter desobedecido gravemente às suas leis. Somos observantes, fazemos o que devemos fazer, mas depressa podemos mostrar-nos duros e com desprezo: quando fechamos a porta ao nosso filho que…, quando cortamos as pontes com um parente…, quando olhamos de lado a divorciada… E, entretanto, Deus não nos julga! Ele é paciente, suplica-nos para compreender: “Tu, meu filho, estás sempre comigo…”

 

UNIDOS PELA PALAVRA DE DEUS
PROPOSTA PARA ESCUTAR, PARTILHAR, VIVER E ANUNCIAR A PALAVRA

Grupo Dinamizador:
José Ornelas, Joaquim Garrido, Manuel Barbosa, Ricardo Freire, António Monteiro
Província Portuguesa dos Sacerdotes do Coração de Jesus (Dehonianos)
Rua Cidade de Tete, 10 – 1800-129 LISBOA – Portugal
www.dehonianos.org