04º Domingo do Tempo Comum – Ano C [atualizado]

ANO C
4.º DOMINGO DO TEMPO COMUM

 Tema do 4.º Domingo do Tempo Comum

A liturgia deste domingo mostra-nos o caminho que todos os batizados são chamados a percorrer: o “caminho do profeta”. Trata-se, sem dúvida, de um caminho de sofrimento, de solidão, de incompreensão, de risco; mas é também um caminho que é percorrido de mãos dadas com Deus. Sejam quais forem os obstáculos que apareçam, o profeta não vai só: “não temas, porque Eu estou contigo para te salvar” – diz-lhe Deus a cada passo.

A primeira leitura conta-nos o chamamento de um dos profetas mais emblemáticos do Antigo Testamento: Jeremias, o profeta apaixonado pela Palavra de Deus. Escolhido, consagrado e constituído profeta por Deus, Jeremias vai experimentar todo o tipo de dificuldades; mas não desistirá de concretizar a sua missão e de fazer ouvir a Palavra de Deus no meio dos homens.

No Evangelho Jesus, depois de apresentar na sinagoga de Nazaré o seu programa profético, confronta-se com a rejeição dos seus conterrâneos. Escondidos atrás das suas certezas e preconceitos, eles não estão disponíveis para acolher os desafios novos de Deus. No entanto, a oposição e a contestação dos homens não tem força para travar a Palavra de Deus: Jesus, “passando pelo meio deles, seguiu o seu caminho”. Em Nazaré, primeiro; em Jerusalém, mais tarde.

Na segunda leitura, Paulo de Tarso mostra-nos “um caminho de perfeição que ultrapassa tudo”: o caminho do amor. Os cristãos são os “profetas do amor”: anunciam no mundo, com palavras e com gestos concretos de doação, de serviço, de solicitude, de cuidado, o amor com que Deus abraça todos os seus filhos.

 

LEITURA I – Jeremias 1,4-5.17-19

No tempo de Josias, rei de Judá,
a palavra do Senhor foi-me dirigida nestes termos:
«Antes de te formar no ventre materno, Eu te escolhi;
antes que saísses do seio de tua mãe, Eu te consagrei
e te constituí profeta entre as nações.
Cinge os teus rins e levanta-te,
para ires dizer tudo o que Eu te ordenar.
Não temas diante deles,
senão serei Eu que te farei temer a sua presença.
Hoje mesmo faço de ti uma cidade fortificada,
uma coluna de ferro e uma muralha de bronze,
diante de todo este país, dos reis de Judá e dos seus chefes,
diante dos sacerdotes e do povo da terra.
Eles combaterão contra ti, mas não poderão vencer-te,
porque Eu estou contigo para te salvar».

 

CONTEXTO

Jeremias nasceu por volta de 650 a.C., numa povoação levítica chamada Anatot, situada a cerca de cinco quilómetros a nordeste de Jerusalém. Pertencia a uma família sacerdotal. Sentiu-se chamado à vocação profética no décimo terceiro ano do reinado de Josias, o que corresponde a 627/626 a.C.; o seu ministério profético prolongou-se até depois da queda de Jerusalém nas mãos dos babilónios (ano 586 a.C.).

A vida de Jeremias decorreu numa época bastante conturbada, quer a nível político, quer a nível religioso. Durante mais de cinquenta anos os reis ímpios Manassés (698-643 a.C.) e Amon (643-640 a.C.), tinham multiplicado no país os altares aos deuses estrangeiros e levado o Povo a afastar-se de Javé. Após a morte de Amon, contudo, subiu ao trono Josias (640-609 a.C.), um rei bom que levou a cabo uma profunda reforma religiosa: procurou eliminar o culto aos deuses estrangeiros e concentrar a vida litúrgica de Judá num único lugar – o Templo de Jerusalém. Jeremias, convocado por Deus para o ministério profético, terá estado envolvido nesta reforma; mas acabou por manifestar uma certa desilusão quando constatou que o esforço reformador de Josias não estava a ter os resultados esperados. Quando em 609 a.C. Josias morreu em Megido em combate contra o exército egípcio, tudo se desmoronou. O seu sucessor, o rei Joaquin (609-598 a.C.) aliou-se com os egípcios, contra os babilónios; mas Nabucodonosor, rei da Babilónia, venceu os egípcios em Carquemish (607 a.C.) e Joaquin tornou-se vassalo da Babilónia, ficando obrigado a pagar um pesado tributo. As jogadas políticas de Joaquin conduziram, finalmente, à invasão de Nabucodonosor, rei da Babilónia, que pôs cerco a Jerusalém, conquistou a cidade (598 a.C.) e ordenou a deportação para a Babilónia de um grupo de notáveis de Judá. Sedecias, que ocupou o trono a seguir, depois de alguns anos de calma governação, continuou com a política aventureira de Joaquin. Os babilónios puseram novo cerco a Jerusalém, destruíram a cidade e deportaram o resto dos seus habitantes para a Babilónia (586 a.C.).

Jeremias não se cansou, durante todo o tempo da sua missão, de condenar a idolatria de Judá, o abandono de Deus, as políticas de aliança com potências estrangeiras (que mostravam uma gritante falta de confiança em Deus). Avisou que Judá, com as decisões erradas que todos os dias os líderes tomavam, caminhava para a catástrofe. Foi criticado, marginalizado, condenado, apontado como traidor; esteve preso e chegou a correr perigo de vida. Homem tímido, sensível e bom, sofreu muito por causa das críticas e do isolamento a que foi votado por toda a gente, incluindo por parte de parentes e amigos; mas nunca deixou de dar testemunho de Deus. A Palavra de Deus foi, para Jeremias, uma força irresistível que tomou conta da vida do profeta e que não o deixou viver instalado numa vida cómoda e indolor.

O texto que a liturgia deste quarto domingo comum nos apresenta narra a vocação de Jeremias (627/626 a.C.), o profeta que viveu apaixonado pela Palavra de Deus.

 

MENSAGEM

Deus dirige-se a Jeremias e diz-lhe que conta com ele para a missão profética. Mais do que uma reportagem exata do “momento” em que Deus chamou o profeta, este relato oferece-nos uma reflexão e uma catequese sobre esse mistério sempre antigo e sempre novo a que chamamos “vocação”.

Antes de mais, é Deus que toma a iniciativa de se dirigir a Jeremias (“a Palavra do Senhor foi-me dirigida…” – vers. 4). No ponto de partida de qualquer vocação não está a vontade ou os interesses do homem, mas está Deus. É Ele que, por razões que nunca conseguiremos explicar devidamente e de acordo com critérios que nos escapam absolutamente, se dirige ao homem e lhe apresenta os seus desafios e propostas.

O texto sugere também que Jeremias foi escolhido por Deus para a missão profética ainda antes de nascer (“antes de seres formado no ventre materno…” – vers. 5a). Deus não atua por impulsos momentâneos ou por caprichos extravagantes; Ele tem desde sempre um projeto bem definido e bem pensado para o mundo e para os homens e conta com aqueles que chama para o concretizar. Jeremias – como todos os outros filhos e filhas de Deus – tem um papel concreto a desempenhar nesse projeto.

O envolvimento de Deus com os seus escolhidos – como Jeremias – é expresso nesta “catequese” com palavras muito belas e sugestivas: “escolhi-te” (literalmente “conheci-te”), “consagrei-te”, “constituí-te profeta entre as nações” (vers. 5b). Dizer que Deus “conheceu” o profeta é dizer que Deus, por sua iniciativa, estabeleceu com ele uma relação estreita e íntima, e que aquele “escolhido” passou a ocupar um lugar especial no coração de Deus. O profeta tornou-se “único” para Deus; e Deus distingui-lo-á sempre com o seu amor. O profeta é alguém que está consciente do amor que Deus lhe dedica e que nesse amor encontra a força para ser sinal de Deus no mundo. Dizer que Deus “consagrou” o profeta significa que Deus o “reservou”, que o “pôs à parte” para o seu serviço; por isso, o profeta é um homem de Deus, antes de ser do mundo. Ele pertence a Deus, embora o seu campo de atuação seja o mundo. O profeta “responde” a Deus e é no mundo um sinal de Deus. Dizer que Deus “constituiu” o profeta “para as nações” significa que Deus lhe confiou uma missão que tem um alcance universal. Repare-se como, tudo somado, a vida e a missão do profeta estão sempre em referência a Deus. Deus está no princípio, no meio e no fim da vocação e da missão proféticas.

Depois, a narração que a liturgia deste dia nos apresenta salta para os vers. 17-19, para o momento do envio do profeta (“cinge os teus rins e levanta-te, para ires dizer tudo o que Eu te ordenar” – vers. 17a). Sob as ordens de Deus, o profeta vai ao encontro do mundo e dos homens para lhes transmitir, sem medo nem servilismo, as palavras e as indicações de Deus (vers. 17b). O imperativo de Deus vence a natural resistência do homem, obriga-o a superar o seu comodismo e a sua instalação para ser a voz de Deus que ecoa no mundo dos homens.

A partir daí o profeta está sozinho, abandonado à sua sorte, indefeso diante da hostilidade do mundo? Não. Naturalmente, ele terá de enfrentar o risco, a solidão, a rejeição, talvez mesmo o martírio por causa da sua fidelidade à missão que lhe foi confiada; mas Deus estará com ele e dar-lhe-á a força necessária para vencer os obstáculos que os grandes do mundo lhe vão colocar à frente (vers. 18). Aconteça o que acontecer, no final a vitória será de Deus e do seu profeta (“não poderão vencer-te, porque Eu estou contigo para te salvar” – vers. 19).

A vida de Jeremias realizou, integralmente, o projeto de Deus. A propósito e a despropósito, Jeremias denunciou, criticou, demoliu e destruiu, edificou e plantou. Jeremias chorou muitas vezes lágrimas amargas de frustração e desilusão; mas nunca desistiu de dar testemunho de Deus e do seu projeto. Deus invadiu-lhe de tal forma a vida, e a paixão pela Palavra de Deus “apanhou-o” de tal forma, que o profeta viveu até ao fim, com a máxima intensidade, a sua missão.

 

INTERPELAÇÕES

  • Deus preocupa-se com os homens? Deus não vê as coisas que desfeiam o mundo e que fazem sofrer os seus filhos? E se as vê, não faz nada, não intervém, não corrige, não aponta aos homens o caminho certo? São perguntas que escutamos a cada passo e que, eventualmente, nós próprios fazemos… A primeira leitura deste domingo fala-nos de um “profeta” que tem por missão fazer ecoar a voz de Deus no meio dos homens. Esse profeta chamava-se Jeremias; mas Jeremias não é um caso isolado. Ao longo dos séculos Deus nunca cessou de nos enviar homens e mulheres que foram, entre nós, a “voz” de Deus. Eles, em nome de Deus e por indicação de Deus, criticaram as nossas opções erradas, denunciaram os valores egoístas sobre os quais construímos a nossa história, convidaram-nos a viver segundo a verdade e a justiça, mostraram-nos os caminhos que Deus nos convida a percorrer… Hoje, no séc. XXI, Deus continua a suscitar profetas e a enviar-nos, através deles, as suas mensagens e indicações. Não, Deus não se calou, Deus não nos esqueceu, Deus não abandonou os seus filhos. Deus continua a intervir no nosso mundo através dos seus profetas. Acolhemo-los? Escutamos as mensagens que eles nos trazem? Aceitamos que eles nos incomodem e ponham em causa os passos que damos por caminhos que não nos levam a lado nenhum? Esforçamo-nos por perceber, por entre a gritaria e o ruído que nos atordoam a cada passo, as interrogações, questionamentos e desafios que eles nos trazem?
  • Quem são esses que Deus chama a serem profetas? Pessoas especiais, de uma “massa” diferente da nossa e com qualidades que nós não possuímos? Gente desligada da terra, que vive à margem do mundo e da vida, que não se identifica com os outros homens e mulheres que riem e choram enquanto enfrentam a vida de todos os dias? No dia do nosso batismo todos nós fomos ungidos com o óleo do crisma e fomos constituídos profetas à imagem de Cristo. Nesse dia fomos designados para sermos sinais de Deus no mundo, testemunhas dos valores de Deus no meio dos nossos irmãos, arautos de um mundo novo, voz de Deus que convoca os homens para viverem segundo a verdade, a justiça e o amor. Estamos conscientes de que todos nós, batizados em Cristo, somos chamados à vocação profética? Temos a noção de que somos a “boca” através da qual a Palavra de Deus hoje se dirige ao mundo e aos homens?
  • O profeta é, hoje e sempre, alguém que vive de olhos postos em Deus e de olhos postos no mundo. A intimidade com Deus fá-lo conhecer o projeto de Deus para o mundo e para os homens; o conhecimento do mundo e das suas realidades, torna-o consciente de todas as coisas que estão contra o projeto de Deus e que fazem sofrer os homens. Neste balanço entre duas realidades tão diversas, o profeta apercebe-se da distância que vai do sonho de Deus à realidade do mundo. Então, com a autoridade que Deus lhe dá, intervém, denuncia, propõe, corrige, aponta caminhos novos, convida os homens a redesenharem o mapa do mundo e da vida de acordo com o projeto de Deus. Cultivamos a intimidade com Deus? Procuramos escutar Deus a fim de conhecer as suas propostas para o mundo? Falamos com Deus sobre aquilo que vemos a acontecer à nossa volta todos os dias e perguntamos-lhe quais são as soluções que Ele propõe para as feridas do nosso mundo? Procuramos ver os acontecimentos da vida e da história com os olhos de Deus?
  • A intervenção profética leva-nos muitas vezes a trilhar caminhos difíceis, nos quais nos esperam a incompreensão, a marginalização, a solidão, a perseguição, o sofrimento e até mesmo a morte. Recordemos o que aconteceu com alguns profetas recentes – D. Óscar Romero, Martin Luther King, Mahatma Gandhi, por exemplo – que foram martirizados por causa do seu testemunho profético. Temos de contar com a oposição daqueles que pretendem um mundo à medida dos seus interesses egoístas e não à medida do sonho de Deus. No entanto, não caminhamos sozinhos, abandonados às nossas frágeis forças e às nossas hesitações. O profeta sabe que pode contar sempre com a ajuda e a força de Deus. Confiamos em Deus e na sua presença revitalizante ao nosso lado? O medo, o comodismo, a preguiça, alguma vez nos impediram de levar para a frente, com coerência e compromisso, a nossa missão profética?

 

SALMO RESPONSORIAL – Salmo 70 (71)

Refrão: A minha boca proclamará a vossa salvação.

Em Vós, Senhor, me refugio,
jamais serei confundido.
Pela vossa justiça, defendei-me e salvai-me,
prestai ouvidos e libertai-me.

Sede para mim um refúgio seguro,
a fortaleza da minha salvação.
Vós sois a minha defesa e o meu refúgio:
meu Deus, salvai-me do pecador.

Sois Vós, Senhor, a minha esperança,
a minha confiança desde a juventude.
Desde o nascimento Vós me sustentais,
desde o seio materno sois o meu protetor.

A minha boca proclamará a vossa justiça,
dia após dia a vossa infinita salvação.
Desde a juventude Vós me ensinais
e até hoje anunciei sempre os vossos prodígios.

 

LEITURA II – 1 Coríntios 12,31-13,13

Irmãos:
Aspirai com ardor aos dons espirituais mais elevados.
Vou mostrar-vos um caminho de perfeição que ultrapassa tudo:
Ainda que eu fale as línguas dos homens e dos anjos,
se não tiver caridade,
sou como bronze que ressoa ou como címbalo que retine.
Ainda que eu tenha o dom da profecia
e conheça todos os mistérios e toda a ciência,
ainda que eu possua a plenitude da fé,
a ponto de transportar montanhas,
se não tiver caridade, nada sou.
Ainda que distribua todos os meus bens aos famintos
e entregue o meu corpo para ser queimado,
se não tiver caridade, de nada me aproveita.
A caridade é paciente, a caridade é benigna;
não é invejosa, não é altiva nem orgulhosa;
não é inconveniente, não procura o próprio interesse;
não se irrita, não guarda ressentimento;
não se alegra com a injustiça,
mas alegra-se com a verdade;
tudo desculpa, tudo crê,
tudo espera, tudo suporta.
O dom da profecia acabará,
o dom das línguas há de cessar,
a ciência desaparecerá;
mas a caridade não acaba nunca.
De maneira imperfeita conhecemos,
de maneira imperfeita profetizamos.
Mas quando vier o que é perfeito,
o que é imperfeito desaparecerá.
Quando eu era criança, falava como criança,
sentia como criança e pensava como criança.
Mas quando me fiz homem, deixei o que era infantil.
Agora vemos como num espelho e de maneira confusa,
depois, veremos face a face.
Agora, conheço de maneira imperfeita,
depois, conhecerei como sou conhecido.
Agora permanecem estas três coisas:
a fé, a esperança e a caridade;
mas a maior de todas é a caridade.

 

CONTEXTO

Este texto é conhecido como “hino ao amor”. Há também quem lhe chame “o Cântico dos Cânticos da nova aliança”. Não se trata, no entanto, de um cântico romântico ao amor, mas sim do delineamento do caminho cristão por excelência. O amor é o eixo fundamental à volta do qual se desenha e se articula a existência cristã.

Paulo coloca este texto no cenário da reflexão sobre os “carismas” (“dons espirituais” concedidos por Deus a determinados indivíduos para o serviço e a construção da comunidade). Os cristãos de Corinto não tinham ideias completamente claras sobre os carismas. Influenciados por conceções pagãs, viam os “carismas” como “distinções” que tornavam a pessoa agraciada especialmente importante diante dos outros membros da comunidade. Essa mentalidade conduzia facilmente ao exibicionismo, à vaidade, ao orgulho, às atitudes de superioridade que humilham os irmãos e dividem a comunidade. Discutia-se, além disso, a hierarquia dos “carismas”: quais eram os mais importantes e que conferiam mais “estatuto” ao seu possuidor. Os coríntios ansiavam por esses “carismas” considerados mais excelentes.

Paulo explica aos cristãos de Corinto que a comunidade é como um “corpo” (o “corpo de Cristo”), formado por muitos membros e que cada membro tem o seu papel na construção do bem comum. Embora desempenhem funções diversas, todos os membros são igualmente dignos. Alguns recebem dons especiais, mas isso não os torna mais importantes em contexto comunitário. Os dons que recebem são, simplesmente, para o serviço do “corpo de Cristo”.

De resto, já que os coríntios desejam os carismas mais importantes, Paulo dispõe-se a apontar-lhes “um caminho de perfeição que ultrapassa tudo”: o amor. É esse o “carisma” absoluto, aquele que preside a todos os outros, aquele que todos devem desejar e procurar.

 

MENSAGEM

Paulo apresenta-nos aqui o “elogio do amor”. De que amor estamos a falar? Do amor romântico? Do amor paixão? Do amor amizade? O amor de que aqui se fala é definido pela palavra grega “agápê” (o nosso texto traduz a palavra como “caridade”). A palavra designa, no Novo Testamento, o amor de Deus pelos homens e o amor fraterno que une os homens entre si. É um dinamismo de doação gratuita que faz o indivíduo sair do seu fechamento egocêntrico para ir ao encontro do outro e para estabelecer laços com o outro. É um amor gratuito, não exclusivo, não egoísta, que é vivido inteiramente “a fundo perdido”, sem exigências nem condições. É este amor que permite a formação da comunidade cristã, a comunidade de irmãos e de irmãs que vivem a partir do amor de Deus e que, pela forma como se relacionam entre si, dão testemunho no mundo do amor de Deus; é este amor que nos impele a estendermos as mãos aos que não são queridos nem amados: os rejeitados, os pobres, os pequenos, os diferentes, até mesmo os que nos fizeram qualquer mal.

O “hino ao amor” desenvolve-se em três estrofes. Na primeira (13,1-3) Paulo refere a necessidade do amor para dar sentido à vida. O “dom” de falar muitas línguas (que os coríntios tanto apreciavam como fruto do Espírito) não enche a vida de uma pessoa; mas o amor sim (13,1). O dom da profecia (outro carisma sumamente apreciado pelos coríntios), o conhecimento dos mistérios e da ciência, a fé capaz de gestos extraordinários, nada são sem o amor (13,2). A generosidade extrema, o desprendimento absoluto em relação aos bens, o comportamento mais heroico que se possa imaginar, nada significam sem amor (13,3). Sem o amor, nada faz sentido, nem sequer as coisas mais belas e mais apreciadas; sem o amor, a vida fica totalmente esvaziada.

Na segunda estrofe (13,4-7), temos uma descrição muito prática desse amor-ágape de que Paulo fala. São quinze as caraterísticas ou qualidades que Paulo enumera para definir esse amor. Sete delas são formuladas positivamente (o amor “é paciente”, “é benigno”, “alegra-se com a verdade”, “tudo desculpa”, “tudo crê”, “tudo espera”, “tudo suporta”); oito são formuladas de forma negativa (o amor “não é invejoso”, “não é altivo”, “não é orgulhoso”, “não é inconveniente”, “não procura o próprio interesse”, “não se irrita”, “não guarda ressentimento”, “não se alegra com a injustiça”). Recorrendo a uma linguagem muito objetiva, Paulo refere-se a situações da vida quotidiana onde esse amor é traduzido em comportamentos concretos, em atitudes de todos os instantes. Ora, esta evocação tão simples e tão palpável ajuda-nos a perceber que essa proposta é para nós, diz respeito à nossa vida de todos os dias e à forma como nos relacionamos. O quadro geral em que este amor se concretiza é um quadro de superação do egoísmo e de preocupação primordial com o bem do outro.

Na terceira estrofe (13,8-13), Paulo estabelece o valor permanente do amor. Reaparece aqui, embora não de forma totalmente explícita, a questão dos “carismas”: este amor de que se disseram coisas tão bonitas é algo imperfeito, temporal e caduco como o resto dos carismas? Não. Os “carismas” da profecia, das línguas, do conhecimento, acabarão. São “dons” parciais, que se destinam ao “agora”, ao tempo do nosso caminho na terra. Mas tudo isso desaparecerá quando deixarmos de ser “crianças”, quando adquirirmos a “estatura” do Homem Novo, quando encontrarmos a Vida plena, quando estivermos diante de Deus “face a face”. A própria fé se transformará em visão e a esperança em cumprimento; mas o amor é eterno, permanecerá sempre.

Fica, assim, confirmada a superioridade incontestável do amor frente a qualquer outro carisma – por muito que seja apreciado pelos coríntios ou por qualquer comunidade cristã, no futuro.

 

INTERPELAÇÕES

  • A palavra “amor” é, na nossa cultura, uma palavra omnipresente: anda na boca de toda a gente, aparece nas páginas de todas as publicações e entra na letra da maior parte das canções que cantamos. Define uma vasta gama de sentimentos e de atitudes e pode ser usada para falar das coisas mais sublimes, de realidades perfeitamente banais, ou mesmo de atitudes marcadamente egoístas. Paulo, no texto que a segunda leitura deste domingo nos apresenta, fala-nos do amor “agápê”, o amor que traduz a forma como Deus se relaciona connosco e que nós devemos reproduzir na forma como nos relacionamos uns com os outros. É o amor que se dá sem esperar nada em troca; é o amor que liberta o outro, não o que o aprisiona; é o amor que respeita o outro, não o que lhe rouba a dignidade; é o amor generoso, não o amor egoísta; é o amor que perdoa, não o que condena e maltrata; é o amor que leva a pensar no bem do outro, mais do que no nosso próprio bem; é o amor que não exige nada, porque é puro dom. É dessa forma que sentimos e vivemos o amor?
  • A comunidade cristã nasce do amor de Deus. Reúne homens e mulheres, das mais diferentes latitudes e proveniências, que se encontraram com o amor de Deus e aceitaram o convite para integrar a família de Deus. Os cristãos, reunidos em comunidade fraterna, são chamados a testemunhar, com a forma como vivem e se relacionam, o amor de Deus. A comunidade cristã deveria ser a grande escola do amor, onde se vê pulsar, ao vivo, o amor gratuito e incondicional de Deus. Tertuliano, apologista cristão dos sécs. II/III, diz que os pagãos, ao ver como os cristãos se tratavam e cuidavam uns dos outros, diziam: “vede como eles se amam!” (Apolog. 39). É desta forma que vivemos nas nossas comunidades cristãs? Os não crentes, os que vivem outras experiências de fé diferentes das nossas, quando olham para as nossas comunidades cristãs também dizem “vede como eles se amam”? O que falta às nossas comunidades cristãs para serem um espelho claro do amor, do amor que aprendemos com Deus?
  • Aqueles que andam na escola de Jesus e descobrem com Ele o amor de Deus, são chamados a serem profetas do amor no meio dos seus irmãos. Somos profetas do amor junto daqueles que a sociedade abandona, junto daqueles que as igrejas condenam, junto daqueles que são pobres e frágeis, junto daqueles que vivem sozinhos e sem amor, junto daqueles que deixaram as suas famílias e terras para ganhar o pão de cada dia?

 

ALELUIA – Lucas 4,18

Aleluia. Aleluia.

O Senhor enviou-me a anunciar a boa nova aos pobres,
a proclamar aos cativos a redenção.

 

EVANGELHO – Lucas 4,21-30

Naquele tempo,
Jesus começou a falar na sinagoga de Nazaré, dizendo:
«Cumpriu-se hoje mesmo
esta passagem da Escritura que acabais de ouvir».
Todos davam testemunho em seu favor
e se admiravam das palavras cheias de graça
que saíam da sua boca.
E perguntavam:
«Não é este o filho de José?»
Jesus disse-lhes:
«Por certo Me citareis o ditado:
‘Médico, cura-te a ti mesmo’.
Faz também aqui na tua terra
o que ouvimos dizer que fizeste em Cafarnaum».
E acrescentou:
«Em verdade vos digo:
Nenhum profeta é bem recebido na sua terra.
Em verdade vos digo
que havia em Israel muitas viúvas no tempo do profeta Elias,
quando o céu se fechou durante três anos e seis meses
e houve uma grande fome em toda a terra;
contudo, Elias não foi enviado a nenhuma delas,
mas a uma viúva de Sarepta, na região da Sidónia.
Havia em Israel muitos leprosos no tempo do profeta Eliseu;
contudo, nenhum deles foi curado,
mas apenas o sírio Naamã».
Ao ouvirem estas palavras,
todos ficaram furiosos na sinagoga.
Levantaram-se, expulsaram Jesus da cidade
e levaram-n’O até ao cimo da colina
sobre a qual a cidade estava edificada,
a fim de O precipitarem dali abaixo.
Mas Jesus, passando pelo meio deles,
seguiu o seu caminho.

 

CONTEXTO

Jesus está de passagem por Nazaré, a aldeia da Galileia onde tinha passado a sua infância e juventude. Ali residem os seus familiares mais chegados. As gentes de Nazaré tinham visto Jesus crescer e trabalhar como artesão durante alguns anos e conheciam-no bem. Também tinham visto Jesus, a certa altura, deixar Nazaré e dirigir-se para sul, para se encontrar com João, o Batista, no deserto de Judá. Sabiam, além disso, que Jesus, depois de voltar para a Galileia, tinha fixado residência em Cafarnaum, a cidade de pescadores junto do lago de Kineret (o “Mar da Galileia”). Entretanto, nas últimas semanas tinham chegado a Nazaré ecos da pregação de Jesus sobre o “reino de Deus” em diversas aldeias e vilas da Galileia. As gentes de Nazaré não sabiam que pensar de tudo aquilo.

No sábado, Jesus dirigiu-se à sinagoga para participar na oração sinagogal, como qualquer outro membro da comunidade. Foi convidado a ler e a comentar uma das leituras que compunham o ofício sinagogal.  Não sabemos se, por iniciativa própria ou por determinação do ciclo litúrgico, leu um texto do livro de Isaías (Is 61,1-2) que dizia: “O Espírito do Senhor está sobre mim, porque Ele me ungiu para anunciar a boa nova aos pobres. Ele me enviou a proclamar a redenção aos cativos e a vista aos cegos, a restituir a liberdade aos oprimidos e a proclamar o ano da graça do Senhor” (Lc 4,18-18).

Depois de ler e de ter entregue o livro ao responsável, sentou-se. Todas as pessoas que estavam na sinagoga esperavam as suas palavras. Jesus disse-lhes: “cumpriu-se hoje mesmo este trecho da Escritura que acabais de ouvir”. O Evangelho de hoje apresenta a reação dos habitantes de Nazaré à ação e às palavras de Jesus.

 

MENSAGEM

Ao escutar a “atualização” feita por Jesus do texto de Is 61,1-2, os habitantes de Nazaré perceberam imediatamente onde Ele queria chegar. Perceberam que Jesus estava a associar a sua pessoa com a daquele profeta ungido para levar a levar a Noa nova aos pobres; entenderam claramente que Jesus estava a ligar aquilo que andava a fazer pelas vilas e aldeias da Galileia com a iluminação dos cegos e a libertação dos prisioneiros de que o profeta falava; intuíram que Jesus se propunha inaugurar um tempo novo, uma época jubilar de renovação e de graça. Estavam admirados pelo tom em que Jesus falava, pela sua autoridade, pela sua profunda convicção.

Mas rapidamente a admiração que sentiam por Jesus foi substituída pela estranheza. Como é que o “filho de José” poderia pretender assumir uma tal missão? Todos conheciam a sua origem humilde, a sua família igual às outras da terra, o trabalho que Ele fazia como simples artesão. Nada do que sabiam de Jesus lhes parecia “carta de apresentação” suficiente para uma missão tão importante. A estranheza transformou-se então em rejeição, indignação e hostilidade. Concluíram que aquele homem estava a usurpar funções que não lhe competiam. Decidiram que Ele não poderia contar com os seus conterrâneos de Nazaré para legitimar os seus sonhos de grandeza.

Jesus percebeu que a atitude das gentes de Nazaré em relação à sua pessoa se tinha alterado. Percebeu a rejeição e a hostilidade. Não estranhou demasiado. Ele sabia que a rejeição faz parte da experiência profética. Recorrendo à ironia, traduziu aquilo que sentia ser a resposta dos habitantes de Nazaré à sua proposta citando um provérbio popular: “médico, cura-te a ti mesmo!”. Os conterrâneos de Jesus estariam a pensar, de forma algo insultuosa, que Jesus deveria aplicar a si próprio o “remédio” curador que propunha antes de o dar a outros. E Jesus acrescentou ainda um “dito” conhecido sobre o facto de os profetas terem sempre dificuldade em ser escutados por aqueles que os conheciam bem: “nenhum profeta é bem recebido na sua terra”.

A partir daqui o discurso de Jesus tornou-se mais duro. Explicou aos habitantes de Nazaré presentes na sinagoga naquela manhã de sábado o que tinham feito outros dois profetas rejeitados pelas suas gentes. Elias, hostilizado pelo rei Acab, numa altura em que a terra de Israel conhecia uma seca prolongada e a comida escasseava, foi enviado por Deus a casa de uma viúva de Sídon (na Fenícia), fora das fronteiras do Povo de Deus, para lhe assegurar o pão de cada dia (cf. 1Rs 17,1-16); Eliseu, no tempo do rei Jorão, apesar de haver muitos leprosos em Israel, só curou um estrangeiro, o sírio Naaman, que o tinha procurado para se ver livre da sua enfermidade (cf. 2Rs 5,1-14). Elias e Eliseu, rejeitados na sua terra, levaram a outras gentes as bênçãos de Deus de que eram portadores. Convinha que os habitantes de Nazaré estivessem conscientes de que rejeitar os profetas era perigoso: estariam a rejeitar os dons de Deus. Deus transferiria esses dons para pessoas que estivessem disponíveis para os acolher.

A hostilidade dos habitantes de Nazaré em relação a Jesus transformou-se, então, em confronto aberto. Eles não admitiam que Jesus os considerasse piores do que uma viúva fenícia ou do que um leproso sírio. Lucas diz que eles se levantaram, levaram Jesus “até ao cimo da colina sobre a qual a cidade estava edificada, a fim de o precipitarem dali abaixo”. É preciso dizer que em Nazaré não há nenhuma colina onde este episódio possa ser situado. Trata-se, provavelmente, de uma construção de Lucas para dizer que os habitantes de Nazaré consideravam Jesus um falso profeta, digno de sofrer a morte que a Lei previa para os falsos profetas (cf. Dt 13,2-6). No entanto, os nazarenos não concretizam os seus intentos: “Jesus, passando pelo meio deles, seguiu o seu caminho”. Não parece haver no texto alusão a um qualquer milagre de Deus que teria salvo Jesus da morte: a autoridade que emanava da sua pessoa bastou para neutralizar a violência dos habitantes de Nazaré.

O episódio da sinagoga de Nazaré é, todo ele, programático. Lucas anuncia, neste episódio, o caminho futuro de Jesus. O programa de Jesus é (o texto de Is 61,1-2 e o comentário posterior de Jesus demonstram-no claramente) a apresentação de uma proposta de libertação aos pobres, marginalizados e oprimidos. No entanto, esse “caminho” não vai ser entendido e aceite pelo povo judeu (isto é, os “da sua terra”), que estão mais interessados num Messias milagreiro e espetacular do que num profeta que lhes traga a salvação oferecida por Deus. Os membros do antigo Israel (“os seus”) rejeitarão a proposta de Jesus e tentarão eliminá-l’O (anúncio da morte na cruz); mas, com a força de Deus, Jesus vencerá os inimigos (alusão à ressurreição). A anúncio do reino de Deus seguirá o seu caminho (“passando pelo meio deles, seguiu o seu caminho”): saltará as fronteiras palestinas até atingir os de fora, os que estão verdadeiramente dispostos a acolher a salvação (os “pagãos” que escutarão a Boa nova de Jesus e serão acolhidos na comunidade do reino de Deus).

 

INTERPELAÇÕES

  • “Nenhum profeta é bem recebido na sua terra” – diz Jesus comentando a forma como as gentes de Nazaré responderam quando lhes apresentou o seu programa. Na verdade, nenhum profeta é bem recebido, seja em que terra for, por aqueles que estão instalados nas suas certezas, agarrados às suas seguranças e ao seu bem-estar, entrincheirados no seu pequeno mundo tranquilo e garantido. O profeta questiona, provoca, faz-nos pensar sobre as nossas opções, obriga-nos a rever os nossos valores, põe em causa os nossos comportamentos, convida-nos à mudança, apela à conversão… Ora, a mudança é sempre algo que nos causa incómodo. Liberta-nos de certas cadeias que nos escravizam, mas também abala o nosso mundo, o mundo que julgávamos adquirido e em que nos sentimos confortáveis. Como recebemos a mensagem “provocadora” dos profetas? Fechamos os ouvidos e o coração aos seus questionamentos, ou levamos a sério as interrogações que nos colocam e os desafios que nos lançam?
  • Os habitantes de Nazaré conheciam muito bem Jesus e a sua família. Sabendo as suas origens humildes, não lhe reconheciam competência para se apresentar como profeta, portador de uma proposta de Deus. Provavelmente não é o nosso caso: nós não questionamos a autoridade de Jesus; há muito tempo que O vemos como aquele que Deus enviou ao nosso encontro para nos apresentar uma proposta única de salvação. No entanto, o nosso longo conhecimento de Jesus pode ser um obstáculo para que nos deixemos “tocar” pelas suas “provocações” e questionamentos. Quando conhecemos bem uma pessoa, quando lidamos constantemente com ela, aquilo que ela diz e faz deixa de ser novidade. “Habituamo-nos” à pessoa e prestamos-lhe menos atenção. Podemos cair na passividade, ou até mesmo na indiferença em relação às mensagens que essa pessoa nos deixa. Continuamos, depois de todos estes anos de caminho com Jesus, a escutar o que Ele diz e a deixarmo-nos questionar pelas suas palavras, pelos seus gestos, pelo seu estilo de vida, pela sua pessoa?
  • É frequente encontrarmos pessoas que fizeram alguns anos de catequese e deram por concluído o aprofundamento da sua fé. O seu percurso de encontro com Jesus terminou na “primeira comunhão”, ou na “profissão de fé”, ou no “crisma”. Não perceberam que o seguimento de Jesus é um caminho de toda a vida. São, até certo ponto, como os habitantes de Nazaré, que “seguiram” Jesus até uma certa altura (enquanto Ele viveu em Nazaré) e acharam que já sabiam tudo sobre Ele. A proposta cristã não se resume a “saber umas coisas” sobre Jesus, ou em percorrer um curto percurso balizado por uma qualquer festa religiosa; mas consiste em caminhar atrás de Jesus, em deixa-se conduzir por Ele, em tornar-se íntimo d’Ele, em entrar na casa d’Ele e ficar lá com Ele (cf. Jo 1,35-39). A descoberta de Jesus é uma experiência de uma vida inteira. Estamos conscientes disto? Mais do que “saber umas coisas” sobre Jesus, propomo-nos caminhar com Ele ao longo de todo o percurso da nossa vida?
  • Segundo Jesus, os habitantes de Nazaré estariam à espera que Ele fizesse na sua terra o mesmo que tinha feito em Cafarnaum. Ao dizer isto, Jesus estaria a referir-se, com certeza, a curas e outros gestos considerados extraordinários. Na verdade, o objetivo de Jesus nunca foi “vender” um produto religioso a golpes de milagre. Ele veio apenas propor, com a sua palavra, com os seus gestos e com a sua pessoa, a Boa notícia de Deus; veio, com a doação de si próprio, com o seu amor até ao extremo, mostrar-nos o caminho que conduz à vida verdadeira, à vida plenamente realizada. Que procuramos em Jesus? Uma proposta “milagrosa”, que nos tire de dificuldades com um passe de mágica, ou uma proposta séria de salvação que é preciso concretizar na vida do dia a dia? Jesus é mais um “santo milagreiro” a quem recorremos nos momentos de aperto para nos livrar de dificuldades, ou o “mestre” que nos ensina a viver e a caminhar em direção a Deus?
  • Lucas sugere que os habitantes de Nazaré, incomodados com a denúncia profética de Jesus, quiseram eliminá-l’O. No entanto “Jesus, passando pelo meio deles, seguiu o seu caminho”. O profeta que é fiel à sua missão, enfrenta sempre a incompreensão, a solidão, a contestação, as ameaças, até mesmo a morte. Mas Deus está ao seu lado, dá-lhe a força para enfrentar as dificuldades e para continuar o seu caminho. A certeza da presença de Deus ao nosso lado motiva-nos para cumprirmos fielmente a nossa vocação profética?

 

ALGUMAS SUGESTÕES PRÁTICAS PARA O 4.º DOMINGO DO TEMPO COMUM
(adaptadas, em parte, de “Signes d’aujourd’hui”)

1. A PALAVRA MEDITADA AO LONGO DA SEMANA.

Ao longo dos dias da semana anterior ao 4.º Domingo do Tempo Comum, procurar meditar a Palavra de Deus deste domingo. Meditá-la pessoalmente, uma leitura em cada dia, por exemplo… Escolher um dia da semana para a meditação comunitária da Palavra: num grupo da paróquia, num grupo de padres, num grupo de movimentos eclesiais, numa comunidade religiosa… Aproveitar, sobretudo, a semana para viver em pleno a Palavra de Deus.

2. A ASSEMBLEIA, UM POVO DE IRMÃOS.

O célebre hino à caridade de Paulo, que a segunda leitura nos dá para meditar, recorda como é importante a caridade entre irmãos… na assembleia! É aí que deve acontecer em primeiro lugar a atenção ao outro, o acolhimento do outro, o respeito pelo outro. Parafraseando São Paulo, poderíamos dizer: “Podemos cantar os mais belos cânticos do mundo, mas se nos falta o amor fraterno, nada somos!” Na missa, Cristo manifesta a sua presença: na sua Palavra; sob as espécies do pão e do vinho; na pessoa do sacerdote; e na assembleia reunida em seu nome! Será que uma assembleia, cujos membros se comportam como “desconhecidos”, manifesta verdadeiramente a presença do Senhor da Vida?

3. ORAÇÃO NA LECTIO DIVINA.

Na meditação da Palavra de Deus (lectio divina), pode-se prolongar o acolhimento das leituras com a oração.

No final da primeira leitura:

“Deus, Tu que nos conheces melhor que ninguém, Tu que és a nossa força na provação e que estás ao nosso lado para nos libertar, nós Te damos graças.

Nós Te pedimos por todos os profetas de hoje, por aqueles que resistem aos poderosos pedindo o respeito pelos pobres e pelos fracos, por aqueles que mostram ao nosso mundo o caminho de uma vida mais justa e mais libertadora”.

 

No final da segunda leitura:

“Pai, nós Te damos graças pelo teu amor infinito, que nos revelaste em Jesus, teu Filho, porque Ele teve paciência, esteve ao serviço, não procurou o seu interesse, tudo suportou, fez-Te confiança em tudo.

Nós Te recomendamos todas as famílias cristãs: enche-as do teu Espírito de amor, como nós Te pedimos na celebração dos casamentos”.

 

No final do Evangelho:

“Deus fiel e paciente, bendito sejas pela mensagem de graça que saía da boca do teu Filho Jesus. Nós Te bendizemos pelos profetas que enviaste outrora aos pagãos, porque Tu queres a salvação e a felicidade de todos os homens.

Nós Te pedimos pelas nossas cidades, onde a mensagem do Evangelho provoca as mesmas oposições e rejeições que outrora em Nazaré. Que o teu Espírito sustente a nossa fé”.

4. BILHETE DE EVANGELHO.

Jesus não deixa ninguém indiferente. Os seus compatriotas admiram-se, espantam-se com o seu ensino, ficam furiosos, tentam expulsá-los da cidade… Mas é em Nazaré que Jesus inicia a sua pregação. As pessoas sabem quem Ele é, conhecem a sua profissão, a sua família, mas ignoram o seu mistério. Como poderiam imaginar que Ele vem de Deus, que é o Filho de Deus? É necessário o tempo de provação para que os seus olhos se abram, os olhos da fé postos à prova pela morte e ressurreição do seu compatriota. E, vemo-lo bem ao longo de todo o Evangelho, são aqueles que nunca ninguém imaginou que vão fazer ato de fé e beneficiar das palavras e dos gestos de salvação do Filho de Deus. Como os profetas Elias e Eliseu, Jesus manifesta que Deus ama todos os homens; a salvação que veio trazer é oferecida a toda a humanidade.

5. À ESCUTA DA PALAVRA.

Sabemos como as multidões são versáteis. Basta ver a atitude da multidão em Jerusalém: ora aclama Jesus, ora pede a sua more. A mesma versatilidade acontece com os habitantes de Nazaré. Têm reações diferentes e interrogam-se, pois conhecem bem a identidade familiar de Jesus. Jesus avança no seu ensino e faz referência a dois episódios do Antigo Testamento, no tempo de Elias e de Eliseu: a viúva estrangeira e o general sírio, que beneficiam dos gestos salvíficos de Deus e não os filhos de Israel! Por outras palavras, diz que os habitantes de Nazaré são como os seus antepassados: não acolhem o tempo da visita de Deus. Da admiração, os habitantes passam ao ódio. E nós, hoje? Interroguemo-nos sobre a nossa atitude para com Jesus: a sua palavra surpreende-nos? Pomos de lado as suas palavras que nos provocam, para não nos pormos em questão? Preferimos ficar na nossa tranquilidade?

6. ORAÇÃO EUCARÍSTICA.

Pode-se escolher a Oração Eucarística II, cujos temas estão em harmonia com os do Evangelho.

7. PALAVRA PARA O CAMINHO…

No hino de Paulo que lemos neste domingo e que é uma das suas páginas mais célebres, o apóstolo indica-nos “um caminho superior a todos os outros”: não o caminho do amor-paixão, não o caminho do amor-amizade, mas o caminho do amor-caridade: o caminho da ágape. E para falar deste amor, em vez de dar definições, ele mostra-o em ação e utiliza 15 verbos: ter paciência, servir, não invejar, não se vangloriar, não se orgulhar, etc. Este hino eleva-nos, inflama-nos… mas proíbe-nos de sonhar: estes 15 verbos são verbos para a ação! Uma sugestão: reler este texto, substituindo “caridade” por “Cristo”. A ágape é Cristo que ama em nós!

 

UNIDOS PELA PALAVRA DE DEUS
PROPOSTA PARA ESCUTAR, PARTILHAR, VIVER E ANUNCIAR A PALAVRA

Grupo Dinamizador:
José Ornelas, Joaquim Garrido, Manuel Barbosa, Ricardo Freire, António Monteiro
Província Portuguesa dos Sacerdotes do Coração de Jesus (Dehonianos)
Rua Cidade de Tete, 10 – 1800-129 LISBOA – Portugal
www.dehonianos.org