Domingo de Ramos – Ano C

ANO C
DOMINGO DE RAMOS NA PAIXÃO DO SENHOR

Tema do Domingo de Ramos

A liturgia deste último Domingo do tempo quaresmal, Domingo de Ramos, convida-nos a contemplar esse Deus que, por amor, desceu ao nosso encontro, partilhou a nossa humanidade, fez-Se servo dos homens, deixou-Se matar para que o egoísmo, a maldade e o pecado fossem vencidos. Por Jesus, Deus ofereceu-nos a possibilidade de uma Vida nova.

A primeira leitura traz-nos a palavra e o drama de um profeta anónimo, chamado por Deus a testemunhar no meio das nações a Palavra da salvação. Apesar do sofrimento e da perseguição, o profeta confiou em Deus e concretizou, com teimosa fidelidade, os projetos de Deus. Os primeiros cristãos viram neste “servo de Deus” a figura de Jesus.

A segunda leitura traz-nos um belo hino onde ecoa a catequese primitiva sobre Jesus. Fiel ao projeto do Pai, Ele desceu ao encontro dos homens, viveu a vida dos homens e sofreu uma morte atroz por amor aos homens. Mas a sua vida não foi malbaratada: Deus exaltou-O, mostrando que o caminho que Ele seguiu é o caminho que conduz à Vida. É esse mesmo caminho que somos desafiados a percorrer.

O Evangelho relata-nos a paixão e morte de Jesus. É o momento culminante de uma vida gasta a concretizar o projeto salvador de Deus: libertar os homens de tudo aquilo que gera egoísmo, escravidão, sofrimento e morte. Na cruz onde Jesus ofereceu a sua vida até à última gota de sangue, revela-se o incomensurável amor de Deus por nós; na cruz, Jesus disse-nos que o amor até ao extremo gera Vida nova e eterna.

 

LEITURA I – Isaías 50, 4-7

O Senhor deu-me a graça de falar como um discípulo,
para que eu saiba dizer uma palavra de alento
aos que andam abatidos.
Todas as manhãs Ele desperta os meus ouvidos,
para eu escutar, como escutam os discípulos.
O Senhor Deus abriu-me os ouvidos
e eu não resisti nem recuei um passo.
Apresentei as costas àqueles que me batiam
e a face aos que me arrancavam a barba;
não desviei o meu rosto dos que me insultavam e cuspiam.
Mas o Senhor Deus veio em meu auxílio,
e, por isso, não fiquei envergonhado;
tornei o meu rosto duro como pedra,
e sei que não ficarei desiludido.

 

CONTEXTO

No livro do Deutero-Isaías (Is 40-55), encontramos quatro poemas (cf. Is 42,1-9; 49,1-13; 50,4-11; 52,13-53,12) que se diferenciam um tanto da temática desenvolvida pelo profeta no resto do livro. Referem-se a uma figura enigmática, que o próprio Deus apresenta como “o meu Servo” (Is 42,1). O nome “servo de Javé” é, na Bíblia, um título honorífico. Refere-se, habitualmente, a alguém a quem Deus chama a colaborar no seu projeto salvador. De facto, o “servo de Javé” que nos é apresentado pelo Deutero-Isaías, foi eleito por Deus e recebeu de Deus uma missão (cf. Is 42,1a; 49,1.5). Essa missão tem a ver com a Palavra de Deus e tem carácter universal, pois deve concretizar-se no meio das nações (cf. Is 42,1b; 49,6); será vivida pelo “servo” na humildade, no sofrimento e na obediência incondicional ao projeto de Deus (cf. Is 42,2-3). Apesar de a missão terminar num aparente insucesso (cf. Is 53,2-3.7-9), a dor do profeta não foi em vão: ela tem um valor expiatório e redentor; do seu sofrimento resulta o perdão para o pecado do Povo (cf. Is 53,6.10). Deus aprecia o sacrifício do profeta e recompensá-lo-á, elevando-o à vista de todos, fazendo-o triunfar dos seus detratores e adversários (cf. Is 53,11-12).

Quem é este profeta? É Jeremias, o paradigma do profeta que sofre por causa da Palavra? É o próprio Deutero-Isaías, chamado a dar testemunho da Palavra no ambiente hostil do Exílio? É um profeta desconhecido? É uma figura coletiva, que representa o Povo exilado, humilhado, esmagado, mas que continua a dar testemunho de Deus, no meio das outras nações? É uma figura representativa, que une a recordação de personagens históricas (patriarcas, Moisés, David, profetas) com figuras míticas, de forma a representar o Povo de Deus na sua totalidade? Não sabemos; no entanto, a figura apresentada nesses poemas vai receber uma outra iluminação à luz de Jesus Cristo, da sua vida, do seu destino.

O texto que nos é proposto é parte do terceiro cântico do “servo de Javé”.

 

MENSAGEM

Quem toma a palavra é um personagem anónimo, que fala do seu chamamento por Deus para a missão. Não se designa a si próprio como “servo”; mas assemelha-se a esse “servo” de que se fala no primeiro cântico do servo de Javé (cf. Is 42,1-9). Também não se intitula “profeta”; porém, narra a sua vocação com os elementos típicos dos relatos proféticos de vocação.

A missão que este profeta/servo recebe de Deus tem claramente a ver com o anúncio da Palavra. O profeta é o homem da Palavra, através de quem Deus fala; a proposta de redenção que Deus faz a todos aqueles que necessitam de salvação/libertação ecoa na palavra profética. O profeta é inteiramente modelado por Deus e não opõe resistência nem ao chamamento, nem à Palavra que Deus lhe confia; mas tem de estar, continuamente, numa atitude de escuta de Deus, para que possa depois apresentar – com fidelidade – essa Palavra de Deus para os homens. A missão que Deus confia ao profeta/servo consiste em dizer uma palavra de alento a todos os que estão cansados e abatidos, a todos os que são magoados e injustiçados, a todos os que perderam a esperança.

A missão do profeta/servo não é fácil; concretiza-se no sofrimento e na dor. A palavra proclamada em nome de Deus é uma palavra que incomoda e provoca resistências que, para o profeta, se consubstanciam, quase sempre, em dor e perseguição. No entanto, o profeta/servo de Deus não resiste às agressões e condenações e torna o seu rosto “duro como pedra” face àqueles que o agridem e magoam. Não por insensibilidade, mas porque está decidido a suportar tudo a fim de levar até ao fim a missão que Deus lhe tinha confiado. O verdadeiro profeta não desiste nem se demite: a paixão pela Palavra sobrepõe-se ao sofrimento e faz com que ele ponha à frente de tudo a missão que Deus lhe confiou.

O que é que leva o profeta/servo a resistir corajosamente face aos que o agridem e o querem silenciar? Precisamente a sua confiança no Senhor, que não abandona aqueles a quem chama. A certeza de que não está só, mas de que tem a força de Deus, torna o profeta/servo mais forte do que a dor, o sofrimento, a perseguição, o ódio dos inimigos. O profeta/servo tem uma absoluta confiança em Deus; e sabe que Deus nunca o desiludirá.

 

INTERPELAÇÕES

  • Não sabemos, efetivamente, quem é este “servo de Javé”; no entanto, os primeiros cristãos vão utilizar este texto como grelha para interpretar o mistério de Jesus: Ele é a Palavra de Deus feita carne, que oferece a sua vida para trazer a salvação/libertação aos homens… A vida de Jesus realiza plenamente esse destino de dom e de entrega da vida em favor de todos; e a sua glorificação mostra que uma vida vivida deste jeito não termina no fracasso, mas na ressurreição que gera Vida nova. No entanto, talvez esta conceção da vida nos pareça estranha e incongruente face àquilo que vemos acontecer todos os dias à nossa volta… Como é que me situo face a isto? Acredito que uma vida gasta como a de Jesus ou a do profeta/servo da primeira leitura deste domingo é uma vida com sentido e que conduz à Vida nova?
  • O profeta/servo que, sem hesitar, põe a sua palavra e a sua vida ao serviço da libertação dos seus irmãos – mesmo que isso implique para si próprio sofrimento, perseguição e humilhação – deixa-nos um desafio que não podemos ignorar… Vivemos cercados por ilhas de miséria e de dor onde tantos e tantos irmãos nossos permanecem prisioneiros; passamos a cada passo por homens e mulheres abandonados, esquecidos, atirados para as margens da história, privados dos seus direitos e dignidade; assistimos diariamente à crucifixão de tanta gente que luta contra os sistemas de opressão e de morte… O que fazemos? Permanecemos indiferentes e viramos a cara para outro lado para não ver e para não sermos incomodados, ou levantamos a voz para denunciar o egoísmo, a violência, a injustiça, as mil formas de maldade que desfeiam o mundo e destroem a Vida?
  • Temos consciência de que a nossa missão profética passa por sermos Palavra viva de Deus que ecoa no mundo dos homens? Nas nossas palavras, nos nossos gestos, no nosso testemunho, a proposta libertadora de Deus alcança o mundo e o coração dos homens?
  • O profeta/servo da nossa leitura garante-nos que nunca desistirá da missão que lhe foi confiada porque confia em Deus: sabe que Deus estará sempre com ele e que nunca o desiludirá. Que fantástica expressão de confiança e de fé! Seremos capazes de dizer, com convicção, a mesma coisa? Acreditamos que Deus nunca nos desiludirá?

 

SALMO RESPONSORIAL – Salmo 21 (22)

Refrão: Meu Deus, meu Deus, porque me abandonastes?

Todos os que me veem escarnecem de mim,
estendem os meus lábios e meneiam a cabeça:
«Confiou no Senhor, Ele que o livre,
Ele que o salve, se é meu amigo».

Matilhas de cães me rodearam,
cercou-me um bando de malfeitores.
Trespassaram as minhas mãos e os meus pés,
posso contar todos os meus ossos.

Repartiram entre si as minhas vestes
e deitaram sortes sobre a minha túnica.
Mas Vós, Senhor, não Vos afasteis de mim,
sois a minha força, apressai-Vos a socorrer-me.

Hei de falar do vosso nome aos meus irmãos,
Hei de louvar-Vos no meio da assembleia.
Vós, que temeis o Senhor, louvai-O,
glorificai-O, vós todos os filhos de Jacob,
reverenciai-O, vós todos os filhos de Israel.

 

LEITURA II – Filipenses 2, 6-11

Cristo Jesus, que era de condição divina,
não Se valeu da sua igualdade com Deus,
mas aniquilou-Se a Si próprio.
Assumindo a condição de servo,
tornou-Se semelhante aos homens.
Aparecendo como homem, humilhou-Se ainda mais,
obedecendo até à morte e morte de cruz.
Por isso Deus O exaltou
e Lhe deu um nome que está acima de todos os nomes,
para que ao nome de Jesus todos se ajoelhem
no céu, na terra e nos abismos,
e toda a língua proclame que Jesus Cristo é o Senhor,
para glória de Deus Pai.

 

CONTEXTO

A cidade de Filipos, situada na Macedónia oriental, era uma cidade próspera, com uma população constituída maioritariamente por veteranos romanos do exército. Organizada à maneira de Roma, estava fora da jurisdição dos governantes das províncias locais e dependia diretamente do imperador. Gozava dos mesmos privilégios das cidades de Itália e os seus habitantes tinham cidadania romana. Paulo chegou a Filipos pelo ano 49 ou 50, no decurso da sua segunda viagem missionária, acompanhado de Silvano, Timóteo e Lucas (cf. At 16,1-40). Da sua pregação nasceu a primeira comunidade cristã em solo europeu.

A comunidade cristã de Filipos era uma comunidade entusiasta, generosa, comprometida, sempre atenta às necessidades de Paulo e do resto da Igreja (como no caso da coleta em favor da Igreja de Jerusalém – cf. 2 Cor 8,1-5). Paulo nutria pelos cristãos de Filipos um afeto especial; e os filipenses, por seu turno, tinham Paulo em grande apreço. Apesar de tudo, a comunidade cristã de Filipos não era perfeita: os altivos patrícios romanos de Filipos tinham alguma dificuldade em assumir certos valores como o desprendimento, a humildade e a simplicidade.

Paulo escreve aos Filipenses numa altura em que estava na prisão (não sabemos se em Cesareia, em Roma, ou em Éfeso). Os filipenses tinham-lhe enviado, por um membro da comunidade chamado Epafrodito, uma certa quantia em dinheiro, a fim de que Paulo pudesse prover às suas necessidades. Na carta, Paulo agradece a preocupação dos filipenses com a sua pessoa (cf. Fl 4,10-20); exorta-os a manterem-se fiéis a Cristo e a incarnarem os valores que marcaram a vida de Cristo (“tende entre vós os mesmos sentimentos que estão em Cristo Jesus” – Fl 2,5).

O texto que a liturgia do domingo de Ramos nos apresenta como segunda leitura é o texto mais notável da carta aos filipenses. Trata-se de um antigo hino, provavelmente pré-paulino, que era recitado nas celebrações litúrgicas cristãs (há quem fale, a propósito deste hino, na catequese primitiva de Simão Pedro, conservada na comunidade cristã de Antioquia da Síria). Lembra aos cristãos de Filipos o exemplo de Cristo, a sua humildade e despojamento.

 

MENSAGEM

Cristo Jesus – nomeado no princípio, no meio e no fim – constitui o motivo do hino. Os filipenses, enquanto discípulos de Cristo, são convidados a olhar para Ele e a conformarem as suas vidas com o Seu exemplo. Como é o exemplo de Cristo?

O hino começa por aludir subtilmente ao contraste entre Adão e Cristo: Adão, o primeiro homem, reivindicou ser como Deus, assumiu diante de Deus uma atitude de arrogância e autossuficiência e virou as costas às indicações de Deus (cf. Gn 3,5.22); Cristo, o Homem Novo, assumiu uma atitude de humildade e obediência diante de Deus (vers. 6-7). A atitude de Adão trouxe sofrimento e morte; a atitude de Jesus trouxe exaltação e vida.

A atitude de Cristo é caraterizada no hino como “aniquilação” ou “despojamento” (“kenosis” – vers. 7). Cristo era de condição divina; mas sem reivindicar, em razão do seu estatuto, quaisquer poderes ou privilégios, pôs-se totalmente ao serviço do projeto salvador do Pai. Aceitou, conforme o plano do Pai, vestir a fragilidade dos seres humanos e tornou-se homem: experimentou as dores e os limites dos homens, conviveu com os dramas dos homens e caminhou com os homens para lhes indicar o caminho que leva à salvação, fez-se servo dos homens, lavou-lhes os pés. Como se tudo isso não bastasse, desceu ainda mais: foi contestado, preso, condenado e sofreu uma morte infame na cruz, a morte reservada aos malditos e abandonados por Deus (vers. 8). Esta história de despojamento parece uma história de fracasso e de morte, uma história “pouco recomendável”. É assim que termina a história de quem obedece a Deus e põe a sua vida ao serviço do plano salvador de Deus?

Não. Exatamente porque cumpriu plenamente o plano do Pai, Deus ressuscitou-O e exaltou-O. Fê-lo vencer a injustiça, o egoísmo e a violência que o tinham condenado a uma morte maldita. Apresentou-O como modelo para todos os homens. Mais: Deus fez dele o “Jesus” (o nome significa “Deus salva”) e o “Kyrios” (“Senhor” – nome que, no Antigo Testamento, substituía o nome impronunciável de Deus); e a humanidade inteira (“os céus, a terra e os infernos”) reconhece esse Cristo que se despojou de tudo para obedecer ao Pai como “o Senhor” que reina sobre toda a terra e que preside à história (vers. 9-11).

Aos filipenses e aos crentes de todas as épocas e lugares Paulo diz: “libertai-vos do orgulho, da autossuficiência, da arrogância, do fechamento a Deus e às suas propostas; aprendei com Cristo a pôr a vossa vida ao serviço do plano de Deus; com humildade e simplicidade, tornai-vos servos de todos; amai sem medida, até ao dom total da vida. Deus garante-vos que esse caminho – o caminho que Cristo percorreu – não conduz ao aniquilamento, mas sim à glória, à Vida plena”.

 

INTERPELAÇÕES

  • Não há mesmo volta a dar: a lógica de Deus funciona em sentido contrário à nossa lógica humana. Quanto mais nos despojamos da nossa superioridade, quanto mais renunciamos à capa da importância, quanto mais gastamos a nossa vida a fazer o bem, quanto mais nos fazemos “servos” dos nossos irmãos, quanto mais amamos sem esperar nada em troca, mais subimos na “escala” de Deus. Deus disse-nos isto, com todas as letras, através do seu Filho Jesus. De forma inequívoca, de forma irrefutável, com uma linguagem que só não entende quem não quer. Porque é que, depois de dois mil anos a olhar para a cruz de Jesus, isto ainda não é claro para nós? O que mais tem Deus de fazer para nos mostrar o caminho que conduz à Vida verdadeira?
  • Estamos a chegar ao fim deste caminho quaresmal. Este caminho foi efetivamente, para nós, um caminho de conversão, de mudança, de nascimento para uma vida nova? Ao longo deste caminho em direção à Páscoa transformamos a arrogância em humildade, a atitude de superioridade em respeito pelo outro, o orgulho em simplicidade, a soberba em delicadeza?
  • Este hino constitui uma excelente chave de leitura para interpretar, sentir e viver, na “Semana Maior” em que estamos a entrar, os acontecimentos centrais da nossa fé. Ao “som” deste belíssimo hino podemos compreender o caminho de Jesus, o significado das suas opções, o sentido da sua vida, da sua paixão, morte e ressurreição. Iremos procurar, nesta semana, acompanhar os passos de Jesus? E, ao revivermos o seu amor e a sua entrega, renovaremos a nossa adesão a Ele e ao caminho que Ele propõe?

 

ACLAMAÇÃO ANTES DO EVANGELHO – Filipenses 2,8-9

Refrão 1: Louvor e glória a Vós, Jesus Cristo Senhor.

Refrão 2: Glória a Vós, Jesus Cristo, Sabedoria do Pai.

Refrão 3: Glória a Vós, Jesus Cristo, Palavra do Pai.

Refrão 4: Glória a Vós, Senhor, Filho do Deus vivo.

Refrão 4: Louvor a Vós, Jesus Cristo, rei da eterna glória.

Refrão 6: Grandes e admiráveis são as vossas obras, Senhor.

Refrão 7: A salvação, a glória e o poder a Jesus Cristo, Nosso Senhor.

 

Cristo obedeceu até à morte e morte de cruz.
Por isso Deus O exaltou
e Lhe deu um nome que está acima de todos os nomes.

 

EVANGELHO – Lucas 22,14-23,56 (forma longa) ou Lucas 23,1-49 (forma breve)

N     Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Lucas
N     Quando chegou a hora,
Jesus sentou-Se à mesa com os seus Apóstolos
e disse-lhes:
J      «Tenho desejado ardentemente comer convosco esta Páscoa,
antes de padecer;
pois digo-vos que não tornarei a comê-la,
até que se realize plenamente no reino de Deus».
N     Então, tomando um cálice, deu graças e disse:
J      «Tomai e reparti entre vós,
pois digo-vos que não tornarei a beber do fruto da videira,
até que venha o reino de Deus».
N     Depois tomou o pão e, dando graças,
partiu-o e deu-lho, dizendo:
J       «Isto é o meu corpo entregue por vós.
Fazei isto em memória de Mim».
N      No fim da ceia, fez o mesmo com o cálice, dizendo:
J       «Este cálice é a nova aliança no meu Sangue,
derramado por vós.
Entretanto, está comigo à mesa
a mão daquele que Me vai entregar.
O Filho do homem vai partir, como está determinado.
Mas ai daquele por quem Ele vai ser entregue!»
N     Começaram então a perguntar uns aos outros
qual deles iria fazer semelhante coisa.
Levantou-se também entre eles uma questão:
qual deles se devia considerar o maior?
Disse-lhes Jesus:
J       «Os reis da nações exercem domínio sobre elas
e os que têm sobre elas autoridade são chamados benfeitores.
Vós não deveis proceder desse modo.
O maior entre vós seja como o menor
e aquele que manda seja como quem serve.
Pois quem é o maior: o que está à mesa ou o que serve?
Não é o que está à mesa?
Ora Eu estou no meio de vós como aquele que serve.
Vós estivestes sempre comigo nas minhas provações.
E Eu preparo para vós um reino,
como meu Pai o preparou para Mim:
comereis e bebereis à minha mesa, no meu reino,
e sentar-vos-eis em tronos,
a julgar as doze tribos de Israel.
Simão, Simão, Satanás vos reclamou
para vos agitar na joeira como trigo.
Mas Eu roguei por ti, para que a tua fé não desfaleça.
E tu, uma vez convertido, fortalece os teus irmãos».
N     Pedro respondeu-Lhe:
R      «Senhor, eu estou pronto a ir contigo,
até para a prisão e para a morte».
N      Disse-lhe Jesus:
J       «Eu te digo, Pedro: não cantará hoje o galo,
sem que tu, por três vezes, negues conhecer-Me».
N     Depois acrescentou:
J       «Quando vos enviei sem bolsa nem alforge nem sandálias,
faltou-vos alguma coisa?».
N     Eles responderam que não lhes faltara nada.
Disse-lhes Jesus:
J      «Mas agora, quem tiver uma bolsa pegue nela,
bem como no alforge;
e quem não tiver espada venda a capa e compre uma.
Porque Eu vos digo
que se deve cumprir em Mim o que está escrito:
‘Foi contado entre os malfeitores’.
Na verdade, o que Me diz respeito está a chegar ao fim».
N     Eles disseram:
R      «Senhor, estão aqui duas espadas».
N      Mas Jesus respondeu:
J       «Basta».
N      Então saiu
e foi, como de costume, para o Monte das Oliveiras
e os discípulos acompanharam-n’O.
Quando chegou ao local, disse-lhes:
J        «Orai, para não entrardes em tentação».
N       Depois afastou-Se deles cerca de um tiro de pedra
e, pondo-Se de joelhos, começou a orar, dizendo:
J       «Pai, se quiseres, afasta de Mim este cálice.
Todavia, não se faça a minha vontade, mas a tua».
N     Então apareceu-Lhe um Anjo, vindo do Céu, para O confortar.
Entrando em angústia, orava mais instantemente
e o suor tornou-se-Lhe como grossas gotas de sangue,
que caíam na terra.
Depois de ter orado,
levantou-Se e foi ter com os discípulos,
que encontrou a dormir, por causa da tristeza.
Disse-lhes Jesus:
J       «Porque estais a dormir?
Levantai-vos e orai, para não entrardes em tentação».
N     Ainda Ele estava a falar,
quando apareceu uma multidão de gente.
O chamado Judas, um dos Doze, vinha à sua frente
e aproximou-se de Jesus, para O beijar.
Disse-lhe Jesus:
J       «Judas, é com um beijo que entregas o Filho do homem?»
N      Ao verem o que ia suceder,
os que estavam com Jesus perguntaram-Lhe:
R       «Senhor, vamos feri-los à espada?»
N      E um deles feriu o servo do sumo sacerdote,
cortando-lhe a orelha direita.
Mas Jesus interveio, dizendo:
J       «Basta! Deixai-os».
N     E, tocando na orelha do homem, curou-o.
Disse então Jesus aos que tinham vindo ao seu encontro,
príncipes dos sacerdotes, oficiais do templo e anciãos:
J      «Vós saístes com espadas e varapaus,
como se viésseis ao encontro dum salteador.
Eu estava todos os dias convosco no templo
e não Me deitastes as mãos.
Mas esta é a vossa hora e o poder das trevas.
N    Apoderaram-se então de Jesus,
levaram-n’O e introduziram-n’O em casa do sumo sacerdote.
Pedro seguia-os de longe.
Acenderam uma fogueira no meio do pátio,
sentaram-se em volta dela
e Pedro foi sentar-se no meio deles.
Ao vê-lo sentado ao lume,
uma criada, fitando os olhos nele, disse:
R     «Este homem também andava com Jesus».
N     Mas Pedro negou:
R     «Não O conheço, mulher».
N     Pouco depois, disse outro, ao vê-lo:
R     «Tu também és um deles».
N     Mas Pedro disse:
R      «Homem, não sou».
N     Passada mais ou menos uma hora,
afirmava outro com insistência:
R      «Esse homem, com certeza, também andava com Jesus,
pois até é galileu».
N     Pedro respondeu:
R      «Homem, não sei o que dizes».
N      Nesse instante – ainda ele falava – um galo cantou.
O Senhor voltou-Se e fitou os olhos em Pedro.
Então Pedro lembrou-se da palavra do Senhor,
quando lhe disse:
‘Antes do galo cantar, Me negarás três vezes’.
E, saindo para fora, chorou amargamente.
Entretanto, os homens que guardavam Jesus
troçavam d’Ele e maltratavam-n’O.
Cobrindo-Lhe o rosto, perguntavam-Lhe:
R      «Adivinha, profeta: Quem te bateu?»
N      E dirigiam-Lhe muitos outros insultos.
Ao romper do dia,
reuniu-se o conselho dos anciãos do povo,
os príncipes dos sacerdotes e os escribas.
Levaram-n’O ao seu tribunal e disseram-Lhe:
R       «Diz-nos se Tu és o Messias».
N       Jesus respondeu-lhes:
J        «Se Eu vos disser, não acreditareis
e, se fizer alguma pergunta, não respondereis.
Mas o Filho do homem sentar-Se-á doravante
à direita do poder de Deus».
N      Disseram todos:
R       «Tu és então o Filho de Deus?»
N       Jesus respondeu-lhes:
J        «Vós mesmos dizeis que Eu sou».
N       Então exclamaram:
R       «Que necessidade temos ainda de testemunhas?
Nós próprios o ouvimos da sua boca».
N      Levantaram-se todos e levaram Jesus a Pilatos.
N      Começaram a acusá-l’O, dizendo:
R       «Encontrámos este homem a sublevar o nosso povo,
a impedir que se pagasse o tributo a César
e dizendo ser o Messias-Rei».
N      Pilatos perguntou-Lhe:
R       «Tu és o Rei dos judeus?»
N       Jesus respondeu-lhe:
J        «Tu o dizes».
N      Pilatos disse aos príncipes dos sacerdotes e à multidão:
R       «Não encontro nada de culpável neste homem».
N       Mas eles insistiam:
R       «Amotina o povo, ensinando por toda a Judeia,
desde a Galileia, onde começou, até aqui».
N       Ao ouvir isto, Pilatos perguntou se o homem era galileu;
e, ao saber que era da jurisdição de Herodes,
enviou-O a Herodes,
que também estava nesses dias em Jerusalém.
Ao ver Jesus, Herodes ficou muito satisfeito.
Havia bastante tempo que O queria ver,
pelo que ouvia dizer d’Ele,
e esperava que fizesse algum milagre na sua presença.
Fez-Lhe muitas perguntas, mas Ele nada respondeu.
Os príncipes dos sacerdotes e os escribas que lá estavam
acusavam-n’O com insistência.
Herodes, com os seus oficiais, tratou-O com desprezo
e, por troça, mandou-O cobrir com um manto magnífico
e remeteu-O a Pilatos.
Herodes e Pilatos, que eram inimigos,
ficaram amigos nesse dia.
Pilatos convocou os príncipes dos sacerdotes,
os chefes e o povo, e disse-lhes:
R      «Trouxestes este homem à minha presença
como agitador do povo.
Interroguei-O diante de vós
e não encontrei n’Ele nenhum dos crimes de que O acusais.
Herodes também não, uma vez que no-l’O mandou de novo.
Como vedes, não praticou nada que mereça a morte.
Vou, portanto, soltá-l’O, depois de O mandar castigar».
N      Pilatos tinha obrigação de lhes soltar um preso
por ocasião da festa.
E todos se puseram a gritar:
R       «Mata Esse e solta-nos Barrabás».
N       Barrabás tinha sido metido na cadeia
por causa de uma insurreição desencadeada na cidade
e por assassínio.
De novo Pilatos lhes dirigiu a palavra,
querendo libertar Jesus.
Mas eles gritavam:
R        «Crucifica-O! Crucifica-O!»
N       Pilatos falou-lhes pela terceira vez:
R       Mas que mal fez este homem?
Não encontrei n’Ele nenhum motivo de morte.
Por isso vou soltá-l’O, depois de O mandar castigar».
N      Mas eles continuavam a gritar,
pedindo que fosse crucificado,
e os seus clamores aumentavam de violência.
Então Pilatos decidiu fazer o que eles pediam:
soltou aquele que fora metido na cadeia
por insurreição e assassínio,
como eles reclamavam,
e entregou-lhes Jesus para o que eles queriam.
N      Quando o conduziam,
lançaram mão de um certo Simão de Cirene,
que vinha do campo,
e puseram-lhe a cruz às costas,
para a levar atrás de Jesus.
Seguia-O grande multidão de povo
e mulheres que batiam no peito
e se lamentavam, chorando por Ele.
Mas Jesus voltou-Se para elas e disse-lhes:
J       «Filhas de Jerusalém, não choreis por Mim;
chorai antes por vós mesmas e pelos vossos filhos;
pois dias virão em que se dirá:
‘Felizes as estéreis, os ventres que não geraram
e os peitos que não amamentaram’.
Começarão a dizer aos montes: ‘Caí sobre nós’;
e às colinas: ‘Cobri-nos’.
Porque, se tratam assim a madeira verde,
que acontecerá à seca?».
N      Levavam ainda dois malfeitores
para serem executados com Jesus.
Quando chegaram ao lugar chamado Calvário,
crucificaram-n’O a Ele e aos malfeitores,
um à direita e outro à esquerda.
Jesus dizia:
J        «Pai, perdoa-lhes, porque não sabem o que fazem».
N      Depois deitaram sortes,
para repartirem entre si as vestes de Jesus.
O povo permanecia ali a observar.
Por sua vez, os chefes zombavam e diziam:
R      «Salvou os outros: salve-Se a Si mesmo,
se é o Messias de Deus, o Eleito».
N      Também os soldados troçavam d’Ele;
aproximando-se para Lhe oferecerem vinagre, diziam:
R       «Se és o Rei dos judeus, salva-Te a Ti mesmo».
N       Por cima d’Ele havia um letreiro:
«Este é o rei dos judeus».
Entretanto, um dos malfeitores que tinham sido crucificados
insultava-O, dizendo:
R       «Não és Tu o Messias?
Salva-Te a Ti mesmo e a nós também».
N      Mas o outro, tomando a palavra, repreendeu-o:
R      «Não temes a Deus,
tu que sofres o mesmo suplício?
Quanto a nós, fez-se justiça,
pois recebemos o castigo das nossas más ações.
Mas Ele nada praticou de condenável».
N      E acrescentou:
R       «Jesus, lembra-Te de mim,
quando vieres com a tua realeza».
N       Jesus respondeu-lhe:
J        «Em verdade te digo: Hoje estarás comigo no Paraíso».
N       Era já quase meio-dia,
quando as trevas cobriram toda a terra,
até às três horas da tarde,
porque o sol se tinha eclipsado.
O véu do templo rasgou-se ao meio.
E Jesus exclamou com voz forte:
J       «Pai, em tuas mãos entrego o meu espírito».
N      Dito isto, expirou.
N      Vendo o que sucedera,
o centurião deu glória a Deus, dizendo:
R       «Realmente este homem era justo».
N       E toda a multidão que tinha assistido àquele espetáculo,
ao ver o que se passava, regressava batendo no peito.
Todos os conhecidos de Jesus,
bem como as mulheres que O acompanhavam
desde a Galileia,
mantinham-se à distância, observando estas coisas.
N       Havia um homem chamado José, da cidade de Arimateia,
que era pessoa reta e justa e esperava o reino de Deus.
Era membro do Sinédrio, mas não tinha concordado
com a decisão e o proceder dos outros.
Foi ter com Pilatos e pediu-lhe o corpo de Jesus.
E depois de o ter descido da cruz,
envolveu-o num lençol
e depositou-o num sepulcro escavado na rocha,
onde ninguém ainda tinha sido sepultado.
Era o dia da Preparação
e começavam a aparecer as luzes do sábado.
Entretanto,
as mulheres que tinham vindo com Jesus da Galileia
acompanharam José e observaram o sepulcro
e a maneira como fora depositado o corpo de Jesus.
No regresso, prepararam aromas e perfumes.
E no sábado guardaram o descanso, conforme o preceito.

 

CONTEXTO

Ao iniciarmos a Semana Santa, a Semana Maior, a liturgia convida-nos a escutar o impressionante relato da Paixão e Morte de Jesus. O relato, inegavelmente fundamentado em acontecimentos concretos, não é uma simples reportagem jornalística da condenação à morte de um inocente; mas é, sobretudo, uma catequese destinada a mostrar como Jesus, oferecendo a sua vida até ao dom total, na cruz, concretiza o projeto salvador do Pai.

Com a chegada de Jesus a Jerusalém e os acontecimentos da semana santa, chegamos ao fim do “caminho” começado na Galileia. Tudo converge, no Evangelho de Lucas, para aqui, para Jerusalém: é aí que deve irromper a salvação de Deus. Em Jerusalém, Jesus vai realizar o último ato do programa enunciado em Nazaré: da sua entrega, do seu amor afirmado até à morte, vai nascer esse Reino de homens novos, livres, salvos, onde todos serão irmãos no amor; e, de Jerusalém, partirão as testemunhas de Jesus, a fim de que a salvação de Deus chegue a todo o mundo e seja acolhida por todos os homens e mulheres.

O cenário físico da paixão e morte de Jesus é, no Evangelho de Lucas, o mesmo dos outros evangelhos sinóticos: o Cenáculo (o edifício com “uma grande sala mobilada no andar de cima”, onde Jesus fez com os discípulos aquela inolvidável ceia de despedida – Lc 22,12), o Monte das Oliveiras (o jardim para onde Jesus, após a última ceia, se retirou para rezar, e onde foi preso pelos guardas do Templo – cf. Lc 22,39-53), o palácio do sumo-sacerdote Caifás (onde Jesus foi julgado, condenado pelo Sinédrio e ficou preso o resto da noite antes de ser levado diante das autoridades romanas – cf. Lc 22,54-71), o pretório romano da Torre Antónia (onde Jesus, na manhã de sexta-feira, foi torturado e coroado de espinhos e onde o governador Pilatos confirmou a sua condenação à morte – cf. Lc 23,1-6.13-25), as ruas da cidade de Jerusalém (por onde Jesus passou, carregando com a trave transversal da cruz, segundo o ritual próprio das crucifixões – cf. Lc 23,26-32), o Calvário (a pequena colina, fora da cidade onde Jesus, por volta das 9 horas de sexta-feira, foi crucificado – Lc 23,33-49), e o túmulo novo oferecido por José de Arimateia (onde o corpo morto de Jesus foi depositado antes do pôr do sol de sexta-feira – cf. Lc 23,50-56).

Em que data e em que contexto ocorreram os acontecimentos narrados no relato da paixão de Jesus? Todos os evangelistas concordam que Jesus celebrou uma ceia depois do pôr do sol de uma quinta-feira (quando, segundo o calendário religioso judaico já era sexta-feira) e que morreu na cruz por volta das três horas da tarde dessa sexta-feira. Para Marcos, Mateus e Lucas, contudo, essa sexta-feira era o dia da celebração da festa judaica da Páscoa. Assim, a última ceia de Jesus com os discípulos teria sido uma Ceia Pascal. João, no entanto, considera que a sexta-feira (dia em que Jesus morreu) não foi dia de Páscoa, mas sim o dia da preparação da Páscoa (o dia de Páscoa, nesse ano, começou na sexta-feira ao pôr do sol, quando Jesus já tinha morrido na cruz). Nesse caso, a última ceia de Jesus com os discípulos não teria sido uma Ceia Pascal, mas sim uma ceia de despedida. É difícil aceitar o calendário dos sinóticos, pois não parece provável que, em pleno dia de Páscoa, os judeus desenvolvessem o processo contra Jesus, o levassem pelas ruas de Jerusalém até ao Gólgota e o crucificassem. Sendo assim, Jesus teria sido crucificado na véspera da celebração da Páscoa judaica. Estaríamos, muito provavelmente, na primavera do ano 30. Jesus teria, então, 35-37 anos.

 

MENSAGEM

O relato da paixão e morte de Jesus é uma história de uma violência inaudita, perpetrada contra um homem que, na perspetiva daqueles que o conheceram bem e que o acompanharam desde a Galileia até Jerusalém, não fez nada para merecer a condenação decretada contra Ele. Como é que se chegou a este desfecho?

A morte de Jesus tem de ser entendida no contexto daquilo que foi a sua vida. Desde cedo, Jesus apercebeu-Se de que o Pai O chamava a uma missão: anunciar um mundo novo, de justiça, de paz e de amor para todos os homens. Jesus chamava a esse mundo novo “o Reino de Deus”. Para concretizar este projeto, Jesus passou pelos caminhos da Palestina “fazendo o bem” e anunciando a proximidade do Reino de Deus. Ensinou que Deus era amor e que não excluía ninguém, nem mesmo os pecadores; ensinou que os leprosos, os paralíticos, os cegos não deviam ser marginalizados, pois não eram amaldiçoados por Deus; ensinou que eram os pobres e os excluídos os preferidos de Deus e aqueles que tinham um coração mais disponível para acolher o “Reino”; e avisou os “ricos” (os poderosos, os prepotentes, os instalados) de que o egoísmo, o orgulho, a autossuficiência e o fechamento só podiam conduzir à morte.

O projeto libertador de Jesus entrou em choque – como era inevitável – com a atmosfera de egoísmo, de má vontade, de opressão que dominava o mundo. As autoridades políticas e religiosas judaicas sentiram-se incomodadas com a denúncia de Jesus: não estavam dispostas a renunciar a esses mecanismos que lhes asseguravam poder, influência, domínio, privilégios; não estavam dispostas a arriscar, a desinstalar-se e a aceitar a conversão proposta por Jesus. Por isso, decidiram calar Jesus: prenderam-n’O, julgaram-n’O, condenaram-n’O e pregaram-n’O numa cruz. A morte de Jesus é a consequência lógica do anúncio do “Reino”: resultou das tensões e resistências que a proposta do “Reino” provocou entre os que dominavam o mundo.

Podemos também dizer que a morte de Jesus é o culminar da sua vida; é a afirmação última, porém mais radical e mais verdadeira (porque marcada com sangue), daquilo que Jesus pregou com palavras e com gestos: o amor, o dom total, o serviço simples e humilde. Foi por amor que Jesus lutou contra a injustiça, a prepotência, a opressão, a maldade nas suas mil e uma formas; foi por amor que Jesus Se deixou prender, condenar e matar; foi por amor que Jesus morreu na cruz. Quem olha para aquela cruz erguida numa colina fora das muralhas de Jerusalém e vê o testemunho que Jesus deixou, percebe como é que a vida deve ser vivida.

Na cruz, vemos aparecer o Homem Novo, o protótipo do homem que ama radicalmente e que faz da sua vida um dom para todos. Assim, a cruz encerra e propõe o dinamismo de um mundo novo, de um mundo transformado pelo amor – o dinamismo do “Reino de Deus”. A cruz, instrumento vil de sofrimento e de morte, torna-se assim uma fonte de Vida e de esperança.

 

Para além da reflexão geral sobre o sentido da paixão e morte de Jesus, convém ainda notar alguns dados que são exclusivos da versão lucana da Paixão.

  1. Lucas procura destacar, em cada página do seu Evangelho, a misericórdia e o amor de Jesus. Ora, isso aparece também em vários passos do relato lucano da paixão. No momento da prisão de Jesus, no Monte das Oliveiras, todos os sinóticos relatam que um dos que estavam com Jesus feriu um servo do sumo sacerdote com uma espada, cortando-lhe uma orelha; mas apenas Lucas conta que Jesus, “tocando na orelha do servo, curou-a” (cf. Lc 22,49-51). Todos os sinóticos contam que, quando Jesus estava preso em casa do sumo sacerdote, Pedro negou repetidamente conhecê-l’O; mas apenas Lucas conta que, após a terceira negação, Jesus “voltou-se e fitou os olhos em Pedro” (Lc 22,61), como se estivesse a dizer-lhe que compreendia a sua fragilidade e o seu medo e que não o condenava. Lucas é o único dos sinóticos a referir que Jesus, pregado na cruz, esmagado e humilhado, se dirige ao Pai para lhe pedir que perdoe aos seus assassinos: “Pai, perdoa-lhes, porque não sabem o que fazem” (Lc 23,34). A exigência do perdão sem condições (cf. Lc 17,3-4) não é, para Jesus, apenas uma bela doutrina sem consequências; mas é uma atitude que é preciso concretizar até às últimas consequências e que obriga todos os filhos e filhas de Deus.
  2. No relato da instituição da Eucaristia, só Lucas põe Jesus a dizer, depois de distribuir o pão aos discípulos que estavam à mesa: “fazei isto em memória de Mim” (cf. Lc 22,19). A expressão não quer apenas dizer que os discípulos devem celebrar liturgicamente o ritual da última ceia e repetir as palavras de Jesus sobre o pão e sobre o vinho; mas quer, sobretudo, indicar que os discípulos devem viver ao ritmo de Jesus: com a mesma entrega, com o mesmo espírito de serviço, com o mesmo amor pelos pequenos e pelos mais frágeis, com a mesma solicitude pelos que são considerados pecadores e malditos, com a mesma paixão pelo Reino de Deus.
  3. Só Lucas coloca no contexto da última ceia a discussão acerca de qual dos discípulos seria o “maior”. Jesus avisa os seus que “o maior” é “aquele que serve”; e apresenta o seu próprio exemplo de uma vida feita serviço e dom (cf. Lc 22,24-27). No contexto da última ceia, estas palavras de Jesus têm uma força especial: soam a “testamento”; por isso, tornam-se algo inesquecível, absolutamente marcante para os discípulos de todas as épocas. Pelo tempo fora, os discípulos de Jesus deverão cuidar para que a Igreja nascida de Jesus seja uma comunidade de serviço simples e humilde e não uma comunidade de gente importante, que vive para as honras e os triunfos humanos.
  4. Todos os sinóticos referem que Jesus, no jardim das Oliveiras, pouco antes de ser preso, orou ao Pai e pediu-lhe que afastasse aquele cálice de dor e morte que estava no seu horizonte próximo (cf. Lc 22,39-42). A oração – que no Evangelho de Lucas tem um lugar especial – é onde Jesus discerne a vontade do Pai e encontra forças para a cumprir. No entanto, somente Lucas faz referência ao aparecimento de um anjo que confortava Jesus (cf. Lc 22,43). Lucas indica, assim, que Deus escutou a oração de Jesus e que, embora não tenha modificado o seu projeto, estava ao lado de Jesus naquele momento de sofrimento e desolação. Deus não abandona, nos momentos de prova, aqueles que acolhem, na obediência, a sua vontade. Também só Lucas refere o “suor de sangue” de Jesus, fruto da sua angústia (cf. Lc 22,44). Esse pormenor acentua a fragilidade humana de Jesus; mas acentuando-a, valoriza ainda mais a entrega total de Jesus ao projeto do Pai.
  5. Todos os sinópticos falam da requisição de Simão de Cirene para levar a cruz de Jesus; no entanto, só Lucas refere que Simão transporta a cruz “atrás de Jesus” (cf. Lc 23,26). A expressão “atrás de Jesus” designa o “lugar” do discípulo, que caminhava habitualmente atrás do seu mestre. Este dado serve a Lucas para apresentar o modelo do discípulo: é aquele que toma a cruz de Jesus e O segue no seu caminho de entrega e de dom da vida (“se alguém quer vir após Mim, negue-se a si mesmo, tome a sua cruz dia após dia e siga-me” – Lc 9,23; cf. 14,27).
  6. Apenas Lucas se refere ao encontro de Jesus com algumas mulheres, “filhas de Jerusalém”, que o esperavam no caminho (cf. Lc 23,27-31). As mulheres têm, no Evangelho de Lucas, um lugar especial. Elas estão entre as pessoas que, dada a sua situação de fragilidade, mais necessitam de experimentar a bondade e a solicitude de Deus. No entanto, também aparecem como discípulas fiéis, que acompanham o Mestre desde a Galileia a Jerusalém (cf. Lc 8,1-3). Aqui, no caminho do calvário, as mulheres aparecem na posição de discípulas que vão atrás de Jesus enquanto Ele percorre o seu caminho de dor e de morte. Finalmente, voltamos a encontrar, quando Jesus já está na cruz, mulheres “que O tinham acompanhado desde a Galileia” e que se “mantinham à distância”, observando tudo (Lc 23,49). Elas são o modelo do discípulo que nunca se afasta de Jesus e observa tudo o que Ele faz.
  7. Todos os sinóticos referem que Jesus foi crucificado com dois malfeitores. No entanto apenas Lucas refere um diálogo que se estabelece entre os três crucificados. Um dos malfeitores insulta Jesus (“não és Tu o Messias? Salva-Te a Ti mesmo e a nós também”); mas o outro reconhece a inocência de Jesus e pede-lhe: “Jesus, lembra-Te de mim, quando vieres com a tua realeza”. Jesus responde-lhe: “em verdade te digo, hoje estarás comigo no paraíso” (Lc 23,43). Como aconteceu durante toda a sua vida, também naquele momento final Jesus está rodeado pelos pecadores, pelos malditos, por aqueles que a sociedade rejeita. Por amor, Jesus envolveu-se com os pecadores e procurou libertá-los de todas as escravidões. No momento mais decisiva da sua vida Jesus continua a concretizar o projeto do Pai e a oferecer a salvação de Deus a todos, até aos “malfeitores”. Dando testemunho da bondade e do amor de Deus por todos os seus filhos, garante a um maldito a vida definitiva e apresenta-o a todos nós como o primeiro santo canonizado da sua Igreja.

 

INTERPELAÇÕES

  • Celebrar a paixão e a morte de Jesus é abismar-se na contemplação de um Deus a quem o amor tornou frágil… Por amor, Ele veio ao nosso encontro, assumiu os nossos limites e fragilidades, experimentou a fome, o sono, o cansaço, conheceu a mordedura das tentações, experimentou a angústia e o pavor diante da morte; e, estendido no chão, esmagado contra a terra, atraiçoado, abandonado, incompreendido, continuou a amar, até ao último suspiro, até à última gota de sangue. Esta é a mais espantosa história de amor que é possível contar; ela é a boa notícia que enche de alegria o coração dos crentes. É esse amor ilimitado e inacreditável que vemos quando olhamos para a cruz de Jesus? E o amor de Jesus, expresso na cruz, torna-se lição que nós acolhemos e que transformamos em gestos concretos de dom e de serviço para os que “viajam” connosco?
  • Contemplar a cruz onde se manifesta o amor e a entrega de Jesus significa assumir a mesma atitude que Ele assumiu e solidarizar-se com aqueles que são crucificados neste mundo: os que sofrem violência, os que são explorados, os que são excluídos, os que são privados de direitos e de dignidade. Olhar a cruz de Jesus significa denunciar tudo o que gera ódio, divisão, medo, em termos de estruturas, valores, práticas, ideologias; significa evitar que os homens continuem a crucificar outros homens; significa aprender com Jesus a entregar a vida por amor… Viver deste modo pode conduzir à morte; mas o cristão sabe que amar como Jesus é viver a partir de uma dinâmica que a morte não pode vencer: o amor gera vida nova e introduz na nossa carne os dinamismos da ressurreição. A contemplação da cruz de Jesus leva-nos ao compromisso com a transformação do mundo? A contemplação da cruz de Jesus faz com que nos sintamos solidários com todos os nossos irmãos que todos os dias são crucificados e injustiçados? A contemplação da cruz de Jesus dá-nos a coragem para lutarmos contra tudo aquilo que gera sofrimento e morte, mesmo que isso implique correr riscos, ser incompreendido e condenado?
  • Um dos elementos mais destacados nos relatos da paixão – nomeadamente no relato de Lucas – é a forma como Jesus Se comporta ao longo de todo o processo que conduz à sua morte… Ele nunca Se descontrola, nunca recua, nunca resiste, mas mantém-Se sempre sereno e digno, enfrentando o seu destino de cruz. Tal não significa que Jesus seja um herói inconsciente a quem o sofrimento e a morte não assustam, ou que Ele Se coloque na pele de um fraco que desistiu de lutar e que aceita passivamente aquilo que os outros Lhe impõem… A atitude de Jesus é a atitude de quem sabe que o Pai Lhe confiou uma missão e está decidido a cumprir essa missão, custe o que custar. Temos a mesma disponibilidade de Jesus para escutar os desafios de Deus e a mesma determinação que Jesus tinha para concretizar esses desafios no mundo?
  • A angústia de Jesus diante da morte – bem expressa naquele “suor que se tornou como grossas gotas de sangue que caíam por terra” – tornam-n’O muito “humano”, muito próximo das nossas debilidades e fragilidades. Dessa forma, é mais fácil identificarmo-nos com Ele, confiar n’Ele, segui-l’O no seu caminho do amor e da entrega. A humanidade de Jesus mostra-nos, também, que o caminho da obediência ao Pai não é um caminho impossível, reservado a super-heróis ou a deuses, mas é um caminho de homens frágeis, chamados por Deus a percorrerem, com esforço, o caminho que conduz à vida definitiva. Quais são as fragilidades que sentimos e que são obstáculo no nosso seguimento de Jesus? Deixamos que as limitações – reais ou imaginárias – que sentimos sejam decisivas quando chega a hora de optarmos?
  • “Fazei isto em memória de Mim” – diz Jesus aos discípulos na ceia em que se despediu deles e lhes deixou o seu testamento. A expressão não se referia apenas ao gesto que Jesus fez sobre o pão, mas referia-se sobretudo a essa entrega de si próprio que Ele viveu desde que nasceu até que morreu na cruz. Nós que partilhamos e comemos o pão eucarístico vivemos na lógica de Jesus e procuramos pôr a nossa vida ao serviço dos irmãos que encontramos no caminho? O gesto litúrgico de “comer” o pão de Jesus, repetido em cada eucaristia, é um gesto ritual e vazio, sem consequências na vida, ou é um gesto que se traduz, na vida concreta, em serviço simples e humilde em favor dos irmãos, em amor até ao extremo, em luta pela justiça e pela verdade, em compromisso com a construção de um mundo mais justo e mais humano?
  • Lucas apresenta Jesus, poucas horas antes de ser morto na cruz, a pedir aos discípulos que não coloquem no centro das suas vidas as preocupações com os postos importantes, os lugares de poder, as honras, as distinções, os privilégios, mas sim o serviço simples e humilde aos irmãos. A Igreja nascida de Jesus, ou será uma comunidade de amor e serviço, ou não será nada. Que temos feito desse “testamento” que Jesus nos deixou? Que sentido fazem, à luz do “testamento” de Jesus, as pompas, os títulos, as honrarias, os privilégios, atrás dos quais às vezes corremos? Temos continuamente presente no nosso horizonte de vida a expressão de Jesus “o maior entre vós seja como o menor e aquele que manda seja como quem serve”?
  • A maior parte dos discípulos de Jesus fugiram quando Ele foi preso no monte das Oliveiras e Pedro negou-o três vezes no pátio da casa do sumo sacerdote. Apesar disso, Lucas dá conta de um homem chamado Simão de Cirene que pega na cruz e a leva “atrás de Jesus”, bem como de diversas mulheres que seguem Jesus enquanto Ele caminha para o local da sua execução. Simão e as mulheres que seguem Jesus não têm medo de ir atrás de Jesus, de ajudá-lo a levar a cruz, de percorrer com Jesus o caminho da doação total, de ficar com Jesus até ao fim. Simão e aquelas mulheres são verdadeiros discípulos. Estão incondicionalmente com Jesus, mesmo que o caminho em que Ele segue seja um caminho de sofrimento e de dor. Que tipo de discípulos somos nós? Somos daqueles que abandonam Jesus quando o caminho se torna complicado, ou somos dos incondicionais, dos que o acompanham até ao fim, aconteça o que acontecer?
  • Jesus passou a vida rodeado de pessoas “pouco recomendáveis”, que a sociedade e a religião condenavam. No momento mais decisivo da sua vida, naquela colina fora das muralhas de Jerusalém onde está a “entregar a vida”, continua rodeado por gente “maldita”. A um dos “malfeitores” que, afinal, se revelou um homem de boa vontade, Jesus prometeu-lhe a salvação de Deus. Como tratamos os “malditos” da Igreja e do mundo, os marginais, os que vivem de forma social ou religiosamente incorreta? Fechamos-lhe as portas das nossas comunidades cristãs e das nossas vidas, ou testemunhamos-lhes a misericórdia, a bondade e a ternura de Deus?
  • A morte de Jesus não foi um acidente. Os líderes judaicos que arquitetaram a morte de Jesus sabiam bem o que estavam a fazer. A culpa dos dirigentes naquela triste história de violência e morte que vitimou Jesus não podia ser mais clara. Apesar disso, Jesus morreu a pedir a Deus que perdoasse aos seus assassinos. O perdão – que é uma consequência do amor – é a marca de Deus. Somos capazes de imitar Jesus e de perdoar a quem nos faz mal?

 

ALGUMAS SUGESTÕES PRÁTICAS PARA O DOMINGO DE RAMOS
(adaptadas, em parte, de “Signes d’aujourd’hui”)

1. A PALAVRA meditada ao longo da semana.

Ao longo dos dias da semana anterior ao Domingo de Ramos, procurar meditar a Palavra de Deus deste domingo. Meditá-la pessoalmente, uma leitura em cada dia, por exemplo… Escolher um dia da semana para a meditação comunitária da Palavra: num grupo da paróquia, num grupo de padres, num grupo de movimentos eclesiais, numa comunidade religiosa… Aproveitar, sobretudo, a semana para viver em pleno a Palavra de Deus.

2. O EVANGELHO DA PAIXÃO… PROCLAMADO E ACOLHIDO.

Neste Domingo de Ramos temos a leitura da Paixão, na sua forma longa ou na forma breve. O lecionário propõe uma leitura dialogada. Procurar que os vários leitores a preparem com afinco para que a Palavra seja bem proclamada (e bem acolhida!) e não apenas recitada (e mal percebida!). A proclamação por vários leitores deve ajudar à concentração na Palavra e à sua interiorização profunda e não à dispersão e a um acolhimento superficial. Se tal ajudar, pode-se prever um breve tempo de silêncio (ou um refrão apropriado) entre cada sequência da Paixão.

3. ORAÇÃO NA LECTIO DIVINA.

Na meditação da Palavra de Deus (lectio divina), pode-se prolongar o acolhimento das leituras com a oração.

 

No final da primeira leitura:

Pai, nós Te damos graças pelo testemunho de não-violência dado e ensinado pelos teus profetas e, sobretudo, pelo teu Filho Jesus.

Nós Te pedimos: vem em nosso auxílio, desperta-nos em cada manhã para a escuta da tua Palavra, ensina-nos com o teu Espírito de paciência. Que nós saibamos reconfortar aqueles que não aguentam mais viver.

 

No final da segunda leitura:

Cristo Jesus, nós Te adoramos e bendizemos: Tu, que és de condição divina, despojaste-Te e fizeste-Te servidor. Pai, nós Te glorificamos, porque o teu Filho humilhado até ao extremo pelos homens, Tu O revelaste acima de tudo.

Nós Te pedimos pela nossa humanidade que continua a sofrer e a fazer sofrer: levanta-a e cura-a com o teu Espírito de ressurreição.

 

No final do Evangelho:

Jesus, Filho do Deus vivo, nós Te bendizemos por esta revelação admirável que Tu fizeste ao bom ladrão, pela qual fortificas a nossa esperança: «hoje mesmo estarás comigo no paraíso».

Em nome de todos os nossos irmãos e irmãs mergulhados na dor e na infelicidade, nós Te pedimos: «No teu Reino, lembra-te de nós, Senhor».

4. BILHETE DE EVANGELHO.

É difícil fazer calar uma multidão. Na descida do monte das Oliveiras, a multidão de Jerusalém aclama Jesus: “Bendito o que vem, o nosso rei, em nome do Senhor!” Mas uma multidão pode ser manipulada e acabar por dizer o contrário. Assim, alguns dias mais tarde, ela gritará: “Morte a este homem! Crucifica-o!” Jesus não quer calar a multidão que O aclama, porque, se eles se calam, as pedras falarão! Será um malfeitor, crucificado junto d’Ele, que O reconhecerá como rei: “Jesus, lembra-Te de mim, quando vieres com a tua realeza”. Será um centurião, um pagão do exército romano, a fazer um ato de fé: “Realmente este homem era justo!” As pedras não terão necessidade de gritar, porque estes dois homens recusaram calar-se: já o Espírito os animava e fazia-lhes dizer a verdade. Quanto a Jesus, é por ter dito a verdade que é levado à morte. De facto, a verdade desarranja… O trono que espera este rei é a cruz e a sua coroa será de espinhos: na fraqueza manifestar-se-á o poder de Deus, o poder do Amor!

5. À ESCUTA DA PALAVRA.

Dante definiu São Lucas como “o escriba da misericórdia de Deus”. De facto, mesmo no relato da Paixão, sem esquecer os sofrimentos de Jesus, em particular a sua angústia na agonia do monte das Oliveiras, Lucas continua a revelar até ao fim a misericórdia do Pai. Ele guardou memória de três palavras de Jesus. Primeira palavra de Jesus: “Pai, perdoa-lhes, porque não sabem o que fazem”. Jesus não se limita a perdoar, vai mais longe. Ele sabe que a fonte de todo o amor e de todo o perdão não está n’Ele, mas no Pai. Ele apresenta-Se diante do Pai como o intercessor a quem o Pai nada pode recusar. Ele apaga-Se, para que vejamos que é a vontade do Pai que se está a cumprir. É a oração de sempre de Jesus por nós, Ele que está sempre vivo para interceder em nosso favor. Segunda palavra de Jesus, que é a resposta ao “bom ladrão”: “Em verdade te digo: hoje estarás comigo no Paraíso”. A eficácia do perdão que o Pai dá por Jesus não suporta qualquer adiamento. Jesus apaga definitivamente a imagem de um Deus terrível e vingador, que nada deixa passar. Cremos num Deus Pai que perdoa “setenta vezes sete”. Terceira palavra de Jesus, que é um grito de uma infinita confiança no seu Pai: “Pai, em tuas mãos entrego o meu espírito”. Jesus acolheu sempre, na liberdade da sua consciência humana, o amor que Lhe dava o seu Pai. Sempre esteve nas mãos do Pai. Mesmo na sua última palavra, Jesus manifesta a sua adesão a este amor infinito do seu Pai, à sua vontade de salvação, de misericórdia, para além de tudo o que possamos imaginar.

6. ORAÇÃO EUCARÍSTICA.

Pode-se rezar a Oração Eucarística II pela sua densidade e brevidade. No início, pode inserir-se uma referência ao Domingo de Ramos, como primeiro dia da Semana Santa em que celebramos já o dia da ressurreição…

7. PALAVRA PARA O CAMINHO…

«Hossana! Crucifica-O!…» Gritos de alegria! Gritos de ódio!… A mesma multidão! E o nosso grito hoje? Somos discípulos de Jesus quando tudo vai bem… e prontos a negá-l’O quando nos sentimos comprometidos com Ele? Durante a Semana Santa, tomemos o tempo de parar com Paulo a fim de revivificar a nossa fé em “Cristo Jesus imagem de Deus… abaixando-Se até à morte de Cruz… elevado acima de tudo…”. Ousemos proclamá-lo pela nossa vida “Cristo e Senhor para a glória do Pai”! Vivamos a Semana Santa na oração e na contemplação de Jesus Cristo, a essência do nosso ser e da comunhão de irmãos em Igreja!

 

UNIDOS PELA PALAVRA DE DEUS
PROPOSTA PARA ESCUTAR, PARTILHAR, VIVER E ANUNCIAR A PALAVRA

Grupo Dinamizador:
José Ornelas, Joaquim Garrido, Manuel Barbosa, Ricardo Freire, António Monteiro
Província Portuguesa dos Sacerdotes do Coração de Jesus (Dehonianos)
Rua Cidade de Tete, 10 – 1800-129 LISBOA – Portugal
www.dehonianos.org