SOLENIDADE DE TODOS OS SANTOSBreves introduções às leituras:
Primeira leitura: Como descrever a felicidade dos mártires e dos santos na sua condição celeste, invisível? Para isso, o profeta recorre a uma visão.
Salmo responsorial: O salmo de hoje proclama as condições de entrada no Templo de Deus. Ele anuncia também a bem-aventurança dos corações puros. Nós somos este povo imenso que marcha ao encontro do Deus santo.
Segunda leitura: Desde o nosso baptismo, somos chamados filhos de Deus e o nosso futuro tem a marcada da eternidade.
Evangelho: Que futuro reserva Deus aos seus amigos, no seu Reino celeste? Ele próprio é fonte de alegria e de felicidade para eles.
LEITURA I – Ap 7,2-4.9-14
Leitura do Apocalipse de São João
Eu, João, vi um Anjo que subia do Nascente,
trazendo o selo do Deus vivo.
Ele clamou em alta voz
aos quatro Anjos a quem foi dado o poder
de causar dano à terra e ao mar:
«Não causeis dano à terra, nem ao mar, nem às árvores,
até que tenhamos marcado na fronte
os servos do nosso Deus».
E ouvi o número dos que foram marcados:
cento e quarenta e quatro mil,
de todas as tribos dos filhos de Israel.
Depois disto, vi uma multidão imensa,
que ninguém podia contar,
de todas as nações, tribos, povos e línguas.
Estavam de pé, diante do trono e na presença do Cordeiro,
vestidos com túnicas brancas e de palmas na mão.
E clamavam em alta voz:
«A salvação ao nosso Deus, que está sentado no trono,
e ao Cordeiro».
Todos os Anjos formavam círculo
em volta do trono, dos Anciãos e dos quatro Seres Vivos.
Prostraram-se diante do trono, de rosto por terra,
e adoraram a Deus, dizendo:
«Amen! A bênção e a glória, a sabedoria e a acção de graças,
a honra, o poder e a força
ao nosso Deus, pelos séculos dos séculos. Amen!».
Um dos Anciãos tomou a palavra e disse-me:
«Esses que estão vestidos de túnicas brancas,
quem são e de onde vieram?».
Eu respondi-lhe:
«Meu Senhor, vós é que o sabeis».
Ele disse-me:
«São os que vieram da grande tribulação,
os que lavaram as túnicas
e as branquearam no sangue do Cordeiro».
Breve comentário
As primeiras perseguições tinham feito cruéis destruições nas comunidades cristãs, ainda tão jovens. Iriam estas comunidades desaparecer, acabadas de fundar? As visões do profeta cristão trazem uma mensagem de esperança nesta provação. É uma linguagem codificada, que evoca Roma, perseguidora dos cristãos, sem a nomear directamente, aplicando-lhe o qualificativo de Babilónia. A revelação proclamada é a da vitória do Cordeiro. Que paradoxo! O próprio Cordeiro foi imolado. Mas é o Cordeiro da Páscoa definitiva, o Ressuscitado. Ele transformou o caminho de morte em caminho de vida para todos aqueles que O seguem, em particular pelo martírio, e eles são numerosos; participam doravante ao seu triunfo, numa festa eterna.
SALMO RESPONSORIAL – Salmo 23 (24)
Refrão: Esta é a geração dos que procuram o Senhor.
Do Senhor é a terra e o que nela existe,
o mundo e quantos nele habitam.
Ele a fundou sobre os mares
e a consolidou sobre as águas.
Quem poderá subir à montanha do Senhor?
Quem habitará no seu santuário?
O que tem as mãos inocentes e o coração puro,
o que não invocou o seu nome em vão.
Este será abençoado pelo Senhor
e recompensado por Deus, seu Salvador.
Esta é a geração dos que O procuram,
que procuram a face de Deus.
LEITURA II – 1Jo 3,1-3
Leitura da Primeira Epístola de São João
Caríssimos:
Vede que admirável amor o Pai nos consagrou
em nos chamar filhos de Deus.
E somo-lo de facto.
Se o mundo não nos conhece,
é porque O não conheceu a Ele.
Caríssimos, agora somos filhos de Deus
e ainda não se manifestou o que havemos de ser.
Mas sabemos que, na altura em que se manifestar,
seremos semelhantes a Deus,
porque O veremos tal como Ele é.
Todo aquele que tem n’Ele esta esperança
purifica-se a si mesmo,
para ser puro, como ele é puro.
Breve comentário
Segunda mensagem de esperança. Ela responde às nossas interrogações sobre o destino dos defuntos. Que vieram a ser? Como sabê-lo, pois desapareceram dos nossos olhos? E nós próprios, que viremos a ser?
A resposta é uma dedução absolutamente lógica: se Deus, no seu imenso amor, faz de nós seus filhos, não nos pode abandonar. Ora, em Jesus, vemos já a que futuro nos conduz a pertença à família divina: seremos semelhantes a Ele.
ALELUIA – Mt 11,28
Aleluia. Aleluia.
Vinde a Mim, vós todos os que andais cansados e oprimidos
e Eu vos aliviarei, diz o Senhor.
EVANGELHO – Mt 5,1-12
Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Mateus
Naquele tempo,
ao ver as multidões, Jesus subiu ao monte e sentou-Se.
Rodearam-n’O os discípulos
e Ele começou a ensiná-los, dizendo:
«Bem-aventurados os pobres em espírito,
porque deles é o reino dos Céus.
Bem-aventurados os humildes,
porque possuirão a terra.
Bem-aventurados os que choram,
porque serão consolados.
Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça,
porque serão saciados.
Bem-aventurados os misericordiosos,
porque alcançarão misericórdia.
Bem-aventurados os puros de coração,
porque verão a Deus.
Bem-aventurados os que promovem a paz,
porque serão chamados filhos de Deus.
Bem-aventurados os que sofrem perseguição por amor da justiça,
porque deles é o reino dos Céus.
Bem-aventurados sereis, quando, por minha causa,
vos insultarem, vos perseguirem
e, mentindo, disserem todo o mal contra vós.
Alegrai-vos e exultai,
porque é grande nos Céus a vossa recompensa».
AMBIENTE
Depois de dizer quem é Jesus (cf. Mt 1,1-2,23) e de definir a sua missão (cf. Mt 3,1-4,16), Mateus vai apresentar a concretização dessa missão: com palavras e com gestos, Jesus propõe aos discípulos e às multidões o “Reino”. Neste enquadramento, Mateus propõe-nos hoje um discurso de Jesus sobre o “Reino” e a sua lógica.
Uma característica importante do Evangelho segundo Mateus reside na importância dada pelo evangelista aos “ditos” de Jesus. Ao longo do Evangelho segundo Mateus aparecem cinco longos discursos (cf. Mt 5-7; 10; 13; 18; 24-25), nos quais Mateus junta “ditos” e ensinamentos provavelmente proferidos por Jesus em várias ocasiões e contextos. É provável que o autor do primeiro Evangelho visse nesses cinco discursos uma nova Lei, destinada a substituir a antiga Lei dada ao Povo por meio de Moisés e escrita nos cinco livros do Pentateuco.
O primeiro discurso de Jesus – do qual o Evangelho que nos é hoje proposto é a primeira parte – é conhecido como o “sermão da montanha” (cf. Mt 5-7). Agrupa um conjunto de palavras de Jesus, que Mateus coleccionou com a evidente intenção de proporcionar à sua comunidade uma série de ensinamentos básicos para a vida cristã. O evangelista procurava, assim, oferecer à comunidade cristã um novo código ético, uma nova Lei, que superasse a antiga Lei que guiava o Povo de Deus.
Mateus situa esta intervenção de Jesus no cimo de um monte. A indicação geográfica não é inocente: transporta-nos à montanha da Lei (Sinai), onde Deus Se revelou e deu ao seu Povo a antiga Lei. Agora é Jesus, que, numa montanha, oferece ao novo Povo de Deus a nova Lei que deve guiar todos os que estão interessados em aderir ao “Reino”.
As “bem-aventuranças” que, neste primeiro discurso, Mateus coloca na boca de Jesus, são consideravelmente diferentes das “bem-aventuranças” propostas por Lucas (cf. Lc 6,20-26). Mateus tem nove “bem-aventuranças”, enquanto que Lucas só apresenta quatro; além disso, Lucas prossegue com quatro “maldições”, que estão ausentes do texto mateano; outras notas características da versão de Mateus são a espiritualização (os “pobres” de Lucas são, para Mateus, os “pobres em espírito”) e a aplicação dos “ditos” originais de Jesus à vida da comunidade e ao comportamento dos cristãos. É muito provável que o texto de Lucas seja mais fiel à tradição original e que o texto de Mateus tenha sido mais trabalhado.
MENSAGEM
As “bem-aventuranças” são fórmulas relativamente frequentes na tradição bíblica e judaica. Aparecem, quer nos anúncios proféticos de alegria futura (cf. Is 30,18; 32,20; Dn 12,12), quer nas acções de graças pela alegria presente (cf. Sl 32,1-2; 33,12; 84,5.6.13), quer nas exortações a uma vida sábia, reflectida e prudente (cf. Prov 3,13; 8,32.34; Sir 14,1-2.20; 25,8-9; Sl 1,1; 2,12; 34,9). Contudo, elas definem sempre uma alegria oferecida por Deus.
As “bem-aventuranças” evangélicas devem ser entendidas no contexto da pregação sobre o “Reino”. Jesus proclama “bem-aventurados” aqueles que estão numa situação de debilidade, de pobreza, porque Deus está a ponto de instaurar o “Reino” e a situação destes “pobres” vai mudar radicalmente; além disso, são “bem-aventurados” porque, na sua fragilidade, debilidade e dependência, estão de espírito aberto e coração disponível para acolher a proposta de salvação e libertação que Deus lhes oferece em Jesus (a proposta do “Reino”).
As quatro primeiras “bem-aventuranças” referidas por Mateus (vers. 3-6) estão relacionadas entre si. Dirigem-se aos “pobres” (as segunda, terceira e quarta “bem-aventuranças” são apenas desenvolvimentos da primeira, que proclama: “bem-aventurados os pobres em espírito”). Saúdam a felicidade daqueles que se entregam confiadamente nas mãos de Deus e procuram fazer sempre a sua vontade; daqueles que, de forma consciente, deixam de colocar a sua confiança e a sua esperança nos bens, no poder, no êxito, nos homens, para esperar e confiar em Deus; daqueles que aceitam renunciar ao egoísmo, que aceitam despojar-se de si próprios e estar disponíveis para Deus e para os outros.
Os “pobres em espírito” são aqueles que aceitam renunciar, livremente, aos bens, ao próprio orgulho e auto-suficiência, para se colocarem, incondicionalmente, nas mãos de Deus, para servirem os irmãos e partilharem tudo com eles.
Os “mansos” não são os fracos, os que suportam passivamente as injustiças, os que se conformam com as violências orquestradas pelos poderosos; mas são aqueles que recusam a violência, que são tolerantes e pacíficos, embora sejam, muitas vezes, vítimas dos abusos e prepotências dos injustos… A sua atitude pacífica e tolerante torná-los-á membros de pleno direito do “Reino”.
Os “que choram” são aqueles que vivem na aflição, na dor, no sofrimento provocados pela injustiça, pela miséria, pelo egoísmo; a chegada do “Reino” vai fazer com que a sua triste situação se mude em consolação e alegria…
A quarta bem-aventurança proclama felizes “os que têm fome e sede de justiça”. Provavelmente, a justiça deve entender-se, aqui, em sentido bíblico – isto é, no sentido da fidelidade total aos compromissos assumidos para com Deus e para com os irmãos. Jesus dá-lhes a esperança de verem essa sede de fidelidade saciada, no Reino que vai chegar.
O segundo grupo de “bem-aventuranças” (vers. 7-11) está mais orientado para definir o comportamento cristão. Enquanto que no primeiro grupo se constatam situações, neste segundo grupo propõem-se atitudes que os discípulos devem assumir.
Os “misericordiosos” são aqueles que têm um coração capaz de compadecer-se, de amar sem limites, que se deixam tocar pelos sofrimentos e alegrias dos outros homens e mulheres, que são capazes de ir ao encontro dos irmãos e estender-lhes a mão, mesmo quando eles falharam.
Os “puros de coração” são aqueles que têm um coração honesto e leal, que não pactua com a duplicidade e o engano.
Os “que constroem a paz” são aqueles que se recusam a aceitar que a violência e a lei do mais forte rejam as relações humanas; e são aqueles que procuram ser – às vezes com o risco da própria vida – instrumentos de reconciliação entre os homens.
Os “que são perseguidos por causa da justiça” são aqueles que lutam pela instauração do “Reino” e são desautorizados, humilhados, agredidos, marginalizados por parte daqueles que praticam a injustiça, que fomentam a opressão, que constroem a morte… Jesus garante-lhes: o mal não vos poderá vencer; e, no final do caminho, espera-vos o triunfo, a vida plena.
Na última “bem-aventurança” (vers. 11), o evangelista dirige-se, em jeito de exortação, aos membros da sua comunidade que têm a experiência de ser perseguidos por causa de Jesus e convida-os a resistir ao sofrimento e à adversidade. Esta última exortação é, na prática, uma aplicação concreta da oitava “bem-aventurança”.
No seu conjunto, as “bem-aventuranças” deixam uma mensagem de esperança e de alento para os pobres e débeis. Anunciam que Deus os ama e que está do lado deles; confirmam que a libertação está a chegar e que a sua situação vai mudar; asseguram que eles vivem já na dinâmica desse “Reino” onde vão encontrar a felicidade e a vida plena.
ACTUALIZAÇÃO
A reflexão e a partilha podem fazer-se à volta dos seguintes elementos:
• Jesus diz: “felizes os pobres em espírito”; o mundo diz: “felizes vós os que tendes dinheiro – muito dinheiro – e sabeis usá-lo para comprar influências, comodidade, poder, segurança, bem-estar, pois é o dinheiro que faz andar o mundo e nos torna mais poderosos, mais livres e mais felizes”. Quem é, realmente, feliz?
• Jesus diz: “felizes os mansos”; o mundo diz: “felizes vós os que respondeis na mesma moeda quando vos provocam, que respondeis à violência com uma violência ainda maior, pois só a linguagem da força é eficaz para lidar com a violência e a injustiça”. Quem tem razão?
• Jesus diz: “felizes os que choram”; o mundo diz: “felizes vós os que não tendes motivos para chorar, porque a vossa vida é sempre uma festa, porque vos moveis nas altas esferas da sociedade e tendes tudo para serdes felizes: casa com piscina, carro com telefone e ar condicionado, amigos poderosos, uma conta bancária interessante e um bom emprego arranjado pelo vosso amigo ministro”. Onde está a verdadeira felicidade?
• Jesus diz: “felizes os que têm ânsia de cumprir a vontade de Deus”; o mundo diz: “felizes vós os que não dependeis de preconceitos ultrapassados e não acreditais num deus que vos diz o que deveis e não deveis fazer, porque assim sois mais livres”. Onde está a verdadeira liberdade, que enche de felicidade o coração?
• Jesus diz: “felizes os que tratam os outros com misericórdia”; o mundo diz: “felizes vós quando desempenhais o vosso papel sem vos deixardes comover pela miséria e pelo sofrimento dos outros, pois quem se comove e tem misericórdia acabará por nunca ser eficaz neste mundo tão competitivo”. Qual é o verdadeiro fundamento de uma sociedade mais justa e mais fraterna?
• Jesus diz: “felizes os sinceros de coração”; o mundo diz: “felizes vós quando sabeis mentir e fingir para levar a água ao vosso moinho, pois a verdade e a sinceridade destroem muitas carreiras e esperanças de sucesso”. Onde está a verdade?
• Jesus diz: “felizes os que procuram construir a paz entre os homens”; o mundo diz: “felizes vós os que não tendes medo da guerra, da competição, que sois duros e insensíveis, que não tendes medo de lutar contra os outros e sois capazes de os vencer, pois só assim podereis ser homens e mulheres de sucesso”. O que é que torna o mundo melhor: a paz ou a guerra?
• Jesus diz: “felizes os que são perseguidos por cumprirem a vontade de Deus”; o mundo diz: “felizes vós os que já entendestes como é mais seguro e mais fácil fazer o jogo dos poderosos e estar sempre de acordo com eles, pois só assim podeis subir na vida e ter êxito na vossa carreira”. O que é que nos eleva à vida plena?
ALGUMAS REFLEXÕES À LUZ DO EVANGELHO
(adaptadas de “Signes d’aujourd’hui”)
REFLEXÃO 1:
CELEBRAR OS SANTOS NA RESSURREIÇÃO
As Bem-aventuranças revelam a realidade misteriosa da vida em Deus, iniciada no Baptismo. Aos olhos do mundo, o que os servidores de Deus sofrem, são efectivamente formas de morte: ser pobre, suportar as provas (os que choram) ou as privações (ter fome e sede) de justiça, ser perseguido, ser partidário da paz, da reconciliação e da misericórdia, num mundo de violência e de lucro, tudo isso aparece como não rentável, votado ao fracasso, consequentemente, à morte.
Mas que pensa Cristo? Ele, ao contrário, proclama felizes todos os seus amigos que o mundo despreza e considera como mortos, consola-os, alimenta-os, chama-os filhos de Deus, introdu-los no Reino e na Terra Prometida.
A Solenidade de Todos os Santos abre-nos assim o espírito e o coração às consequências da Ressurreição. O que se passou em Jesus realizou-se também nos seus bem amados, os nossos antepassados na fé, e diz-nos igualmente respeito: sob as folhas mortas, sob a pedra do túmulo, a vida continua, misteriosa, para se revelar no Grande Dia, quando chegar o fim dos tempos. Para Jesus, foi o terceiro dia; para os seus amigos, isso será mais tarde.
REFLEXÃO 2:
O EVANGELHO NO PRESENTE
Os membros de uma mesma família têm traços do rosto comuns…
As pessoas que partilham toda uma vida juntos acabam por se parecerem…
Esta festa anual de Todos os Santos reúne inúmeros rostos que trazem em si a imagem e a semelhança de Deus.
Um rosto de humanidade transfigurada. Enquanto vivos, os santos não se consideravam como tais, longe disso! Eles não esculpiam a sua efígie num fundo de auto-satisfação… Contrariamente àquilo que geralmente aparece nas imagens ditas piedosas e nas biografias embelezadas, eles não foram perfeitos, nem à primeira, nem totalmente, nem sobretudo sem esforço. Eles tinham fraquezas e defeitos contra os quais se bateram toda a vida. Alguns, como S. Agostinho, vieram de longe, transfigurados pelo amor de Deus que acolheram na sua existência. Quanto mais se aproximaram da luz de Deus, tanto mais viram e reconheceram as sombras da sua existência.
Peregrinos do quotidiano, a maior parte deles não realizaram feitos heróicos nem cumpriram prodígios. É certo que alguns têm à sua conta realizações espectaculares, no plano humanitário, no plano espiritual, ou ainda na história da Igreja. Mas muitos outros, a maioria, são os santos da simplicidade e do quotidiano! Canoniza-se muito pouco estas pessoas do quotidiano!
Um rosto com traços de Cristo.
Encontramos em cada um dos santos e das santas um mesmo perfil. Poderíamos mesmo desenhar o seu retrato-robô comum. Por muito frequentar Cristo, deixaram-se modelar pelos seus traços.
Como Jesus, os santos tiveram que viver muitas vezes em sentido contrário às ideias recebidas e aos comportamentos do seu tempo. Viver as Bem-aventuranças não é evidente: ser pobre de coração num mundo que glorifica o poder e o ter; ser doce num mundo duro e violento; ter o coração puro face à corrupção; fazer a paz quando outros declaram a guerra…
Os santos foram pessoas “em marcha” (segundo uma tradução hebraizante de “bem-aventurado”), isto é, pessoas activas, apaixonadas pelo Evangelho… Os santos foram homens e mulheres corajosos, capazes de reagir e de afirmar a todo o custo aquilo que os fazia viver. Eles mostram-nos o caminho da verdade e da liberdade.
Aqueles que frequentaram os santos – aqueles que os frequentam hoje – afirmam que, junto deles, sentimos que nos tornamos melhores. O seu exemplo ilumina. A sua alegria é o seu testemunho mais belo. A sua felicidade é contagiosa.
REFLEXÃO 3:
TER UM CORAÇÃO DE POBRE (Gérard Naslin)
Eram quatro casais amigos à volta da mesma mesa. Os copos estavam bem cheios e os pratos bem guarnecidos. No meio da refeição, a conversa centra-se nos acontecimentos da actualidade: Fala-se dos estrangeiros e imigrantes. O debate aquece e cada um proclama o slogan tantas vezes repetido, o cliché veiculado pelos media… Todos parecem em uníssono.
Entretanto, um dos convivas, que estava em silêncio há alguns minutos, abrindo a boca, disse: “Não estou de acordo convosco, e vou dizer-vos porquê. Para mim, todo o homem é uma história sagrada, eu acredito nisso, deixai-me dizê-lo”. Imaginai o tempo de silêncio que se seguiu, enquanto os olhares e os garfos mergulharam nos pratos.
Naquela noite, ao longo de uma refeição entre amigos, passou-se qualquer coisa que nos faz ver o que é o Reino de Deus: um homem só, ousava deixar a multidão para dizer: “Não estou de acordo!” em nome da sua fé no homem e, no caso preciso, em nome da sua fé em Deus.
Não foi o que se passou no cimo de uma montanha da Palestina, há 2000 anos, quando um homem, Jesus de Nazaré, tendo diante de si os seus discípulos que tinham deixado a multidão para o seguir, “abrindo a boca”, se pôs a instrui-los e lhes falou de felicidade, mas de modo nenhum como o mundo fala dela?!
São estes discípulos que ele declara “bem-aventurados”. São Lucas, no seu Evangelho, será ainda mais preciso, pois escreverá: “erguendo os olhos para os discípulos…” E que lhes disse Ele? “Bem-aventurados vós, os pobres de coração, porque vosso é o Reino de Deus!”.
Eis a força contestatária de Jesus. E as outras seis bem-aventuranças estão lá para ilustrar a primeira, a da pobreza do coração. Quanto à última, ela aparece como a conclusão: “Sim, se vós viveis dessa vida, esperai ser perseguidos, porque isso impedirá as pessoas de dormir; isso inquietá-las-á, e como as pessoas não gostam de ser inquietadas, vós sereis perseguidos”.
As bem-aventuranças, se as queremos tomar a sério e sobretudo vivê-las, colocam-nos em situação de contestação e fazem-nos assumir riscos. Sim, em certos momentos, fazem-nos dizer, e sobretudo viver, um “Não estou de acordo” em nome da nossa fé.
Porque é que Jesus declara “felizes” os seus discípulos? Porque eles são pobres de coração, porque eles estão libertos de tudo o que poderia entravar a sua liberdade. Com efeito, a alegria é o fruto da liberdade.
Mas de que pobreza fala Jesus? Fala da pobreza que permite crer, esperar e amar.
O pobre é aquele que “faz crédito” em Deus.
“Fazer crédito” ou dizer “credo”, é a mesma coisa. Quando se fala de noivos, fala-se de duas pessoas que confiam entre si, que se fiam uma na outra, que “fazem crédito”. A desconfiança torna a pessoa infeliz. Confiar é aceitar um certo abandono: aquele que grita em direcção a Deus no meio do seu sofrimento ou da sua confusão, é aquele que confia sempre em Deus.
O pobre é também aquele que espera.
O rico não pode esperar, está plenamente satisfeito. O pobre, esse, está sempre virado para um futuro que espera que seja melhor; e, depois, ele procura, porque pensa nunca ter totalmente encontrado. A sua vida é uma procura, e todos os sinais que ele encontra enchem-no de alegria e fazem-no avançar. O pobre é aquele que aceita ser criticado pela Palavra de Deus. Com efeito, pôr-se em questão só é possível para aquele que espera tornar-se melhor.
O pobre é aquele que ama.
Por não estar plenamente satisfeito consigo mesmo, o pobre está disponível para servir os seus irmãos. Não centrado em si próprio, abre os olhos e vê aqueles que esperam os seus gestos de amor; ouve os gritos dos seus irmãos e abre as suas mãos vazias para as estender àquele que tem necessidade. A sua pobreza fá-lo receber e, ao mesmo tempo, dar o pouco que tem.
Jesus conhecia o coração do homem, e soube reconhecer no coração dos seus discípulos esta aspiração a crer, a esperar e a amar; é a razão pela qual ele os escolheu e chamou.
As bem-aventuranças vão, em tantas situações, contra a corrente, porque um homem, um dia, ousou abrir a boca para dizer aos seus discípulos: “Sois do mundo, e ao mesmo tempo não sois do mundo… Vós não sois do mundo do cada um para si, do consumo, da violência, da vingança, do comprometimento… E face a este mundo deveis dizer: não estou de acordo! É certo que sereis perseguidos ou, pelo menos, rir-se-ão de vós, ou procurarão fazer-vos calar. Felizes sereis, porque fareis ver onde está a verdadeira felicidade. Chamar-vos-ão santos”.
Festejamos neste dia todos aqueles que tomam de tal modo a sério as bem-aventuranças que são hoje plenamente felizes.
Queremos experimentar ser já felizes? Basta-nos ter um coração de pobre.
REFLEXÃO 4:
A SANTIDADE DE MUITOS
Fruto da conversão realizada pelo Evangelho é a santidade de muitos homens e mulheres do nosso tempo; não só daqueles que foram proclamados oficialmente santos pela Igreja, mas também dos que, com simplicidade e no dia a dia da existência, deram testemunho da sua fidelidade a Cristo. Como não pensar aos inumeráveis filhos da Igreja que, ao longo da história do continente europeu, viveram uma santidade generosa e autêntica no mais recôndito da vida familiar, profissional e social? «Todos eles, como “pedras vivas” aderentes a Cristo “pedra angular”, construíram a Europa como edifício espiritual e moral, deixando aos vindouros a herança mais preciosa. O Senhor Jesus havia prometido: “Aquele que acredita em Mim fará também as obras que Eu faço; e fará obras maiores do que estas, porque Eu vou para o Pai” (Jo 14,12). Os santos são a prova viva da realização desta promessa, e ajudam a crer que isto é possível mesmo nos momentos mais difíceis da história». [nº 14 da Exortação Apostólica Ecclesia in Europa de João Paulo II]
REFLEXÃO 5:
ALGUMAS PALAVRAS DE BENTO XVI EM PORTUGAL SOBRE O DINAMISMO DA SANTIDADE
• O horizonte para que deve tender todo o caminho pastoral é a santidade. Não era isso também o objectivo último da indulgência jubilar, enquanto graça especial oferecida por Cristo para que a vida de cada baptizado pudesse purificar-se e renovar-se profundamente? […]
Na verdade, colocar a programação pastoral sob o signo da santidade é uma opção carregada de consequências. Significa exprimir a convicção de que, se o Baptismo é um verdadeiro ingresso na santidade de Deus através da inserção em Cristo e da habitação do seu Espírito, seria um contra-senso contentar-se com uma vida medíocre, pautada por uma ética minimalista e uma religiosidade superficial.
Perguntar a um catecúmeno: «Queres receber o Baptismo?» significa ao mesmo tempo pedir-lhe: «Queres fazer-te santo?» Significa colocar na sua estrada o radicalismo do Sermão da Montanha: «Sede perfeitos, como é perfeito vosso Pai celeste» (Mt 5,48).
[João Paulo II, Novo Millennio Ineunte 30-31]
• Decisivo é conseguir inculcar em todos os agentes evangelizadores um verdadeiro ardor de santidade, cientes de que o resultado provém sobretudo da união com Cristo e da acção do seu Espírito. […]
A Igreja tem necessidade sobretudo de grandes correntes, movimentos e testemunhos de santidade entre os fiéis, porque é da santidade que nasce toda a autêntica renovação da Igreja, todo o enriquecimento da fé e do seguimento cristão, uma reactualização vital e fecunda do cristianismo com as necessidades dos homens, uma renovada forma de presença no coração da existência humana e da cultura das nações.
[Bento XVI, Discurso aos Bispos em Fátima, 13 de Maio de 2010]
• “É nos Santos que a Igreja reconhece os seus traços característicos e, precisamente neles, saboreia a sua alegria mais profunda. Irmana-os, a todos, a vontade de encarnar na sua existência o Evangelho, sob o impulso do eterno animador do Povo de Deus que é o Espírito Santo. […]
É preciso voltar a anunciar com vigor e alegria o acontecimento da morte e ressurreição de Cristo, coração do cristianismo, fulcro e sustentáculo da nossa fé, alavanca poderosa das nossas certezas, vento impetuoso que varre qualquer medo e indecisão, qualquer dúvida e cálculo humano. A ressurreição de Cristo assegura-nos que nenhuma força adversa poderá jamais destruir a Igreja. Portanto a nossa fé tem fundamento, mas é preciso que esta fé se torne vida em cada um de nós. […]
Queridos Irmãos e jovens amigos, Cristo está sempre connosco e caminha sempre com a sua Igreja, acompanha-a e guarda-a, como Ele nos disse: «Eu estou sempre convosco, até ao fim dos tempos» (Mt 28, 20). Nunca duvideis da sua presença! Procurai sempre o Senhor Jesus, crescei na amizade com Ele, comungai-O. Aprendei a ouvir e a conhecer a sua palavra e também a reconhecê-Lo nos pobres. Vivei a vossa vida com alegria e entusiasmo, certos da sua presença e da sua amizade gratuita, generosa, fiel até à morte de cruz. Testemunhai a alegria desta sua presença forte e suave a todos, a começar pelos da vossa idade. Dizei-lhes que é belo ser amigo de Jesus e que vale a pena segui-Lo. Com o vosso entusiasmo, mostrai que, entre tantos modos de viver que hoje o mundo parece oferecer-nos – todos aparentemente do mesmo nível –, só seguindo Jesus é que se encontra o verdadeiro sentido da vida e, consequentemente, a alegria verdadeira e duradoura.
Buscai diariamente a protecção de Maria, a Mãe do Senhor e espelho de toda a santidade. Ela, a Toda Santa, ajudar-vos-á a ser fiéis discípulos do seu Filho Jesus Cristo.
[Bento XVI, Homilia em Lisboa, 11 de Maio de 2010]
• A relação com Deus é constitutiva do ser humano: foi criado e ordenado para Deus, procura a verdade na sua estrutura cognitiva, tende ao bem na esfera volitiva, é atraído pela beleza na dimensão estética. A consciência é cristã na medida em que se abre à plenitude da vida e da sabedoria, que temos em Jesus Cristo. A visita, que agora inicio sob o signo da esperança, pretende ser uma proposta de sabedoria e de missão. […] Viver na pluralidade de sistemas de valores e de quadros éticos exige uma viagem ao centro de si mesmo e ao cerne do cristianismo para reforçar a qualidade do testemunho até à santidade, inventar caminhos de missão até à radicalidade do martírio.
[Bento XVI, Discurso na chegada a Lisboa, 11 de Maio de 2010]
• “Sim! O Senhor, a nossa grande esperança, está connosco; no seu amor misericordioso, oferece um futuro ao seu povo: um futuro de comunhão consigo. […] A nossa esperança tem fundamento real, apoia-se num acontecimento que se coloca na história e ao mesmo tempo excede-a: é Jesus de Nazaré. […] Mas quem tem tempo para escutar a sua palavra e deixar-se fascinar pelo seu amor? Quem vela, na noite da dúvida e da incerteza, com o coração acordado em oração? Quem espera a aurora do dia novo, tendo acesa a chama da fé? A fé em Deus abre ao homem o horizonte de uma esperança certa que não desilude; indica um sólido fundamento sobre o qual apoiar, sem medo, a própria vida; pede o abandono, cheio de confiança, nas mãos do Amor que sustenta o mundo.
[Bento XVI, Homilia em Fátima, 13 de Maio de 2010]
UNIDOS PELA PALAVRA DE DEUS
PROPOSTA PARA
ESCUTAR, PARTILHAR, VIVER E ANUNCIAR A PALAVRA NAS COMUNIDADES DEHONIANAS
Grupo Dinamizador:
P. Joaquim Garrido, P. Manuel Barbosa, P. José Ornelas Carvalho
Província Portuguesa dos Sacerdotes do Coração de Jesus (Dehonianos)
Rua Cidade de Tete, 10 – 1800-129 LISBOA – Portugal
Tel. 218540900 – Fax: 218540909
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