Tempo Comum – Anos Ímpares – XXVIII Semana – Sexta-feira

Lectio

Primeira leitura: Romanos 4, 1-8

Irmãos: que havemos de dizer de Abraão, nosso antepassado segundo a carne? Que obteve ele afinal? 2É que, se Abraão foi justificado por causa das obras, tem um motivo para se poder gloriar, mas não diante de Deus. 3Que diz, de facto, a Escritura? Que Abraão acreditou em Deus e isso foi-lhe atribuído à conta de justiça. 4Ora bem, àquele que realiza obras, o salário não lhe é atribuído como oferta, mas como dívida. 5Aquele, porém, que não realiza qualquer obra, mas acredita naquele que justifica o ímpio, a esse a sua fé é-lhe atribuída como justiça. 6Aliás é assim que David celebra a felicidade do homem a quem Deus atribui a justiça independentemente das obras: 7Felizes aqueles a quem foram perdoados os delitos e a quem foram cobertos os pecados! 8Feliz o homem a quem o Senhor não tem em conta o pecado!

«Todos pecaram e estão privados da glória de Deus. Sem o merecerem, são justificados pela sua graça, em virtude da redenção realizada em Cristo Jesus» (Rm 3, 23-24). Foi esta a conclusão a que chegou Paulo, depois de analisar o mundo religioso judaico e o mundo religioso pagão, e a redenção realizada por Deus em Jesus Cristo. Assim fica provada a sua tese de que Deus salva por meio da fé e antes das obras. A figura de Abraão, nosso pai na fé, ilustra a verdade da salvação pela fé. Gn 22 narra como o Patriarca, submetido à prova, respondeu com um esplêndido acto de obediência. Mas, já antes, Deus lhe tinha feito a promessa, que acolheu na fé (cf. Gn 15). Assim, em Abraão, a fé precedeu claramente as obras, e as suas obras são fruto da fé: «Abraão acreditou em Deus e isso foi-lhe atribuído à conta de justiça» (v. 3). Também o exemplo de David, a quem foram perdoadas as culpas, independentemente das suas boas obras, é significativo.

Evangelho: Lucas 12, 1-7

Naquele tempo, 1a multidão tinha-se ajuntado por milhares, a ponto de se pisarem uns aos outros. Jesus começou a dizer primeiramente aos seus discípulos:«Acautelai-vos do fermento dos fariseus, que é a hipocrisia. 2Nada há encoberto que não venha a descobrir-se, nem oculto que não venha a conhecer-se. 3Porque tudo quanto tiverdes dito nas trevas há-de ouvir-se em plena luz, e o que tiverdes dito ao ouvido, em lugares retirados, será proclamado sobre os terraços. 4Digo-vos a vós, meus amigos: Não temais os que matam o corpo e, depois, nada mais podem fazer. 5Vou mostrar-vos a quem deveis temer: temei aquele que, depois de matar, tem o poder de lançar na Geena. Sim, Eu vo-lo digo, a esse é que deveis temer. 6Não se vendem cinco pássaros por duas pequeninas moedas? Contudo, nenhum deles passa despercebido diante de Deus. 7Mais ainda, até os cabelos da vossa cabeça estão contados. Não temais: valeis mais do que muitos pássaros.

Os «ai de vós» dirigidos por Jesus aos fariseus e doutores da lei têm por objectivo alertar os discípulos para a necessidade de se defenderem da hipocrisia farisaica. Não se trata de avisos de natureza moral. Lucas escreve a comunidades que vêem chegar ao fim o tempo apostólico sem que se verifique a última vinda de Jesus para instaurar o Reino de Deus, a parusia. Além disso, essas comunidades estão ameaçadas por perseguições e por falsas doutrinas. Põe-se o problema da perseverança e da fidelidade. Lucas solicita aos cristãos um comportamento marcado pela autenticidade e pela clareza (vv. 2s.) e oferecendo-lhes uma palavra de consolação que se torna convite à confiança em Deus (vv. 4-7).
Os cristãos, ao contrário dos fariseus, devem fazer com que as suas palavras correspondam ao que pensam e sentem, professando abertamente e sem medo a sua fé, custe o que custar, porque «nada há encoberto que não venha a descobrir‑se» (v.2). Quando vier o Filho do homem cairão por terra as astúcias e mentiras que se tornarão causa de condenação e não de salvação. O verdadeiro risco que os cristãos correm, no meio das perseguições, não é perder a vida do corpo, mas, sim, a vida verdadeira, a vida eterna. Lucas já tinha lembrado, ao apresentar as condições para o seguimento de Jesus que «quem quiser salvar a sua vida há-de perdê‑la; mas, quem perder a sua vida por minha causa há-de salvá‑la» (9, 24). Por outro lado, porque não havemos de nos abandonar a este Deus que cuida com amor das suas criaturas mais insignificantes (vv. 6s.)?

Meditatio

A tradição hebraica apresentava Abraão como modelo da obediência da fé, como o justo por excelência, porque não hesitou em oferecer a Deus o sacrifício do seu filho único. Mas Paulo afirma que o Patriarca foi justificado, ainda antes de oferecer Isaac em sacrifício, pela sua fé na promessa de Deus, porque esperou «contra toda a esperança». Só a fé justifica, isto é, nos torna santos diante de Deus, fonte de toda a santidade e justiça. Mas esta fé não é uma atitude passiva. Leva-nos a estar bem vivos, para acreditarmos contra toda a evidência.
Jesus também convida os seus ouvintes a uma atitude de confiança e de abandono incondicional diante de Deus Pai. Ele cuida de nós com uma ternura atenta, a que nenhum pormenor pode escapar. Até os cabelos da nossa cabeça estão contados. Somos pois chamados a contemplar Deus sempre presente e activo na nossa vida e na nossa história. Assim se assume a obediência da fé e se alcança o fruto da paz. Nada nem ninguém pode fazer mal a quem crê. Paulo aproxima ao tema da fé o tema do perdão dos pecados. Ao fim e ao cabo, que é o pecado se não uma tentativa deliberada dos nos pôr à margem do olhar bondoso e amigo de Deus, para, usando mal a liberdade, tentar afirmar-nos? Se o ícone do pecador é o “filho pródigo” que parte para longe do pai, o ícone do crente é Jesus, o Filho muito amado que, no meio dos tormentos da paixão, se agarra confiadamente ao Pai e se entrega nas suas mãos: «Pai, nas tuas mãos entrego o meu espírito» (Lc 23, 46). Só nestas circunstâncias o amor pode cantar a vitória que o torna mais forte do que a morte. O supremo grito de confiança de Jesus na Cruz manifesta a união de amor entre o Pai e o Filho.

Oratio

Pai santo, a gratuidade da justiça, que ofereces a quem crê, torna-se mais evidente quando o destinatário é um pecador, como eu. No entanto, proclamas bem-aventurados aqueles a quem foi perdoada a falta. Assim compreendo que, para ser salvo, basta aderir com um acto de fé a Ti, ao teu dom gratuito, à tua justiça que purifica e faz de mim um pecador perdoado. Obrigado, Senhor! Obrigado pelo teu amor. Basta-me acolhê-lo, e deixar que cuide de mim, para ser salvo. Senhor, aumenta a minha fé! Amen.

Contemplatio

Por volta da nona hora, Jesus gritou com voz forte: «Meu Deus, meu Deus, porque me abandonastes?» É a agonia do
coração, o grito de extrema angústia: abandonado! É como o inferno, a pena de dano, a pena das penas para o condenado o qual, perdendo Deus, tudo perdeu. Jesus exprimiu este lamento da sua natureza para escusar as nossas lamentações e os nossos desânimos, e para nos fortificar mostrando-nos que sofreu mais do que nós, Ele a inocência mesma, para expiar as nossas faltas em nosso lugar. Ele quer ensinar-nos também a suportar as aridezes, os desânimos, na paciência e na humildade. Depois disto, sabendo Jesus que tudo estava consumado, para que a Escritura se cumprisse, disse: «Tenho sede». E deram-lhe vinagre numa esponja. Mas o que lhe oprimia mais, era a sede do coração, a sede de realizar o seu sacrifício, para cumprir a Redenção, a sede das almas, a sede de ser amado. Ele tem sede hoje do meu arrependimento, da minha conversão, da salvação dos pecadores. Que hei-de fazer para saciar esta sede? Jesus diz ainda: «Tudo está consumado!», isto é: tudo o que pude fazer por vós, fi-lo. Dei tudo, tudo sacrifiquei, pela vossa salvação, por vosso amor, reclamo o vosso coração. Não tenho direito a isso? Tudo está consumado, tende confiança. A salvação foi-vos adquirida, basta que queirais aproveitar-vos dela. As fontes da graça estão abertas, a Igreja está fundada. O resgate está pago, tudo está pronto. Lançai-vos nestes braços abertos para a união da graça esperando a consumação da glória. /363
«Meu Pai, entrego nas vossas mãos a minha alma». É a última palavra de Jesus. Ele não sofre a morte. Depõe a vida para a retomar. Ninguém lha pode arrebatar, é Ele mesmo que a entrega (Jo 10, 17). É a hora suprema do sacrifício do redentor. (Leão Dehon, OSP 3, p. 362s.).

Actio

Repete frequentemente e vive hoje esta palavra:
«Abraão acreditou em Deus
e isso foi-lhe atribuído à conta de justiça» (Rm 4, 3).